<$BlogRSDURL$> O País Relativo
O País Relativo
«País engravatado todo o ano e a assoar-se na gravata por engano» - A. O'Neill
segunda-feira, setembro 29
 
EXCLUSIVO PAÍS RELATIVO: O País Relativo teve acesso a uma carta enviada ontem à noite pelo Ministro da Caridade Social, Cristão Feliz, a Sua Santidade o Papa João Paulo II. Nessa missiva, que aqui publicamos na íntegra, Cristão Feliz denuncia, junto da Santa Sé, certas práticas menos católicas que presenciou no Congresso do CDS este fim de semana, pondo o seu lugar à disposição do Santo Padre.

«Excelentíssimo Senhor Sumo Pontífice,
Foi com grande alegria que recebi mais um número da revista «Jesus», dos nossos irmãos padres Paulistas. Nesse número, que o exército do politicamente correcto zombou, registei, com humildade cristã, os 37 actos que passam a ser interditos nas celebrações litúrgicas, nomeadamente «bater palmas», «dançar» e «ter raparigas como acólitas». Ainda de acordo com a «Jesus», «Qualquer católico, padre, diácono ou fiel leigo tem o direito de denunciar os abusos litúrgicos».
Em Abril de 2003 tomei posse como Ministro da Caridade Social de Portugal, indicado pelo CDS. Aceitei porque o CDS é um partido que se afirma como representante da «democracia cristã» e da «doutrina social da Igreja». Julgo que Sua Santidade estará perfeitamente a par disto, uma vez que o presidente do partido, o Dr. Paulo Portas, tem o privilégio Único de ter uma fotografia conSigo». Ora, sendo o CDS uma partido «democrata-cristão», orientado pela doutrina social da Igreja (e falo aqui em «social» no sentido Paula Bobone do termo), julgo que deveria ter o cuidado de organizar os seus congressos como se de uma celebração litúrgica se tratasse. Infelizmente, não foi isso que sucedeu este fim de semana. É, pois, com o coração em sangue e enquanto fiel leigo, que venho por este meio exercer o dever de denunciar quatro interditos a que assisti este domingo em Matosinhos.
Em primeiro lugar, chocou-me o tipo de gente convidada. Gostava de ter lá visto outros partidos democratas cristãos. Por exemplo, a DC dessa referência moral que foi Giulio Andreotti. Em vez disso, vi o senhor Lukamba Gato da UNITA, partido que se dedica à prática do voodoo no Huambo, e vi o senhor Gianfranco Fini, assumidamente «pós-fascista». Toda a gente sabe que não há pós-fascistas, tal como não há pós-anões. Um fascista é sempre um fascista e, portanto, um perigoso pagão, e alguém profundamente empenhado na perniciosa industrialização. Em segundo lugar, reparei que sempre que algum congressista acabava de falar lá vinha sistematicamente o estranho (e censurável) hábito de bater palmas. Como se isto tudo não bastasse, o líder do partido também não resistiu a nomear para cargos executivos algumas raparigas acólitas, mesmo sem ter nenhuma razão pastoral para o fazer. A revista Jesus é bem clara neste ponto: «os padres nunca se devem sentir obrigados a procurar raparigas para esta função». A mim, por exemplo, já me arranjou uma secretária de Estado. Estava à espera de uma Madre Teresa de Calcutá e saiu-me uma Princesa do Povo. Em quarto lugar, finalmente, identificaria o interdito da dança. Não posso deixar de O informar que o Congresso acabou com toda a gente a dançar uma música licenciosa da Dina, uma artista portuguesa de «sexualidade alternativa», como agora se diz.
Por tudo isto, sinto-me na obrigação de pôr o meu lugar à Sua disposição. Estou certo que enquanto Primeiro Ministro de Deus saberá as consequências que eu, humilde Ministro dos Homens, devo retirar disto tudo.
Com Respeitosa Fé,
Cristão Feliz» FN

 
As Índias: cito o Afonso por inteiro porque o que ele escreve é o que sinto agora que deixei as ilhas do sul para voltar à minha aldeia: “Vou. Vou sempre. Não quero é ficar aqui. Ficar aqui dói-me. «Tive receio de endoidecer, não de loucura, mas de ali mesmo», escreveu o Bernardo Soares que sabia do Ganges como ninguém, tinha em si o desassossego de viajar por dentro e sonhava com ilhas do sul e Índias impossíveis. É disso que tenho medo: de endoidecer de aqui mesmo. E que haja, em algum lugar, uma Índia impossível. Continuarei a ir. E a escrever de febre como se viajasse. Hei-de ir tanto, tanto, que não será mais possível voltar.” Era isto que eu queria ter escrito quando soube que, antes de partir, podia olhar para trás.PAS
domingo, setembro 28
 
Posts de Domingo
«Uma mulher para usar gravata tem de ser uma Marlene Dietrich. Sei que não é o meu caso, mas por vezes sinto-me camaleónica.»
Rita Caneças, a usar uma gravata com a inscrição «young, poor and angry»

«Muitas pessoas se sentem mal com o estado económico do país e estamos todos um pouco zangados com os políticos, estamos fartos de hipocrisia.»
idem

«Acho que todos somos um bocadinho loucos por amor e, a partir daí, construímos os nossos próprios recursos numa realidade que, não sendo a nossa, passa a sê-lo.»
Catarina Furtado

«Apesar de ser adoptado, o Renato é o filho mais parecido comigo.»
Maria Rodyner, decoradora

«Os Tallon sempre foram pessoas muito liberais, possivelmente economicamente situados no centro-direita e socialmente situados claramente no centro-esquerda enquanto detentores de ideias progressistas.»
José Maria Tallon

«Continuo a acreditar que cada vez que me apaixono é para sempre. Agora estou encantada com a pronúncia do norte...»
Cristina Homem de Melo

«Ser fiel enquanto marido não quer dizer não poder olhar para outra mulher. Isso é disparate.»
Sting
Fonte: Caras
Selecção: FN

 
Linha de Sombra: Não se deve olhar para trás, mas já no aeroporto ainda vi uma última vez aquele sol imenso, que é diferente de todos os outros que havia visto, e que pelas seis da tarde entra invariavelmente, com toda a energia do mundo, pelo mar adentro. A maré estava completamente vazia e pouca água restava para tapar o coral das airport lefts. A primeira onda que vi quando aterrei foi também a última que vi antes de partir, mesmo da janela da porta de embarque. Mas agora que parto, sei também que posso, sem receio, olhar para trás. Os dias lentos e vagarosos, mas que passaram demasiadamente depressa, deixaram-me a certeza que ficou aqui uma sombra que me vai obrigar a regressar. PAS
sexta-feira, setembro 26
 
4 Meses: Se Portugal fosse o Estado de direito que eu pensava que era até há quatro meses; se não existissem umas quantas mentes tortuosamente paranóicas, eu agora, quando chegasse a Portugal, ia jantar com o Paulo e beber um copo e o resto dos dias eram todos normais. Mas o que vale é que há sempre uma raiva que nos ajuda e que é, naturalmente, muito mais forte do que a esperança. PAS
quinta-feira, setembro 25
 
Rude Golpe: Já tinha um primo com um blog, dois dos meus melhores amigos já tinham também os seus blogs, mas agora aconteceu o que já há uns meses temia que acabasse por acontecer: o meu pai tem um blog. Bem sei que é um blog conjunto, com mais dois primos e um amigo. No entanto, até agora o que vejo é, por escrito, o pai que me habituei a ouvir desde que me lembro. O entusiasmo com que, há uns meses, me falava de blogs e o que já lá está escrito, fazem-me ter a certeza que o meu pai era um blogger à espera da blogosfera há muito tempo. O que só confirma a estupidez que foi todo este tempo em que não houve blogosfera e, já agora, escusado será dizer que o Rude Golpe é o meu blog preferido. PAS
 
O amor é fodido II Com a Tatiana num quarto e o par Carla/Ricardo noutro, os restantes concorrentes do Big Brother 4 andavam pela sala a tentar analisar a «volta de 150 graus» que o programa tinha dado. O Fernando, um homem do século XXI, defendeu a «coragem» da Carla e do Ricardo: «Há pessoas aqui que julgam que ainda estão nos anos 70, no século XX ou XXI ou lá o que é ?!». E já com as emoções ao rubro desatou a chorar: «não consigo olhar para aquele sapinho: alembra-me sempre da Zélia». A Zélia foi a primeira concorrente a ser expulsa. O Fernando estava com tantas saudades que veio fazer-lhe companhia cá para fora. Quem, entretanto, também saiu foi a Alzira, a jovem dos Açores. Julgo que ela foi vítima das suas próprias declarações no «confessionário». Em vez de saudar todo o país, limitou-se a «mandar beijinhos» para «a minha freguesia» (que quase não deve ter eleitores) e para «Ayamonte» (que não vota). Em todo o caso valeu a pena. É que antes de entrar para a casa a Alzira vivia atormentada por sonhar todas as noites «com touros e touradas». Deve ser neste sentido que disse à Teresa Guilherme que o BB4 «foi a concretização de um sonho».

Para esta terça feira, para além dos suspeitos do costume, parece que estavam nomeados dois novos concorrentes. Um deles deve ter sido «o Alentejano». Involuntariamente veio a saber-se que entre os responsáveis pela nomeação estava a Tatiana. À jovem transmontana não ocorreu que ao dizer quem não tinha nomeado estava a indicar os que queria ver pela porta fora. «O Alentejano» é alentejano, mas não é burro e devolveu-lhe um grunhido de revolta: «Dahh, dahh?! Se não são eles, sou eu!». Outra das nomeações para expulsão recaiu sobre a Raquel, uma jovem roliça, que ruboriza com a presença do madeirense Joel. Ainda assim, o Joel nomeou a pobre rapariga. Toda a gente pensou que ele estava a dizer «Ricardo» e não «Raquel», na medida em que não se percebe nada da pronúncia da Camacha. Mas não: era mesmo a Raquel. «Não gostei da tua atitude ontem à noite, Raquel», disse o madeirense. A Raquel rebentou de raiva: «BINGATIBO!»; «Eu só le (sic) chamei cretino. E disse que era demasiado sincero. Estaba bêbeda!». Nisto, outro concorrente pergunta-lhe: «Ainda estás apaixonada por ele?». Resposta da Raquel: «Estou». Nova pergunta: «É fodido, não é?». Nova resposta: «Então não é ?! Mas a partir de agora ele nunca mais vai receber a mesma atenção». À noite acabaram juntos na «cama do líder», e como é óbvio o Joel teve direito a todas as atenções. «Essa cabecinha é muito complicada, Joel» (palavras da Raquel). O amor é fodido. FN

quarta-feira, setembro 24
 
Caro Pedro,
Temos lido com preocupação crescente os teus postais de Bali. Tememos que as férias não te estejam a correr bem. É pelo seguinte. É com alguma tristeza que vemos que abandonaste o sistema métrico, implantado em Portugal desde 1862. Quem, como nós, vem criticando o ministro Bagão Felix pelo seu patente pré-liberalismo, não pode deixar de reprovar as sucessivas referências a «pés» e o uso de expressões exóticas como «inside» e «crowd». Como se não bastasse, falas agora em massagens a quatro mãos pela módica quantia de três euros (meia hora), cometendo a indelicadeza de esqueceres outras, a seis mãos e de borla (taxímetro desligado), ainda por cima qualificadas pelas melhores academias do país. Mas tudo isto é de somenos. Verdadeiramente preocupante é a fecunda produção de posts que receamos te esteja a afastar dos prazeres veraneantes. A verdade é que assim crias-nos dificuldades em justificar por que diabo não escrevemos nós mais posts, uma vez que não estamos de férias. Desejamos que as ondas de Bali te sejam propícias e um resto de férias de continuar a fazer inveja a todo o País Relativo. PR
 
Mundo Pequeno: Seguindo um conselho avisado de voz amiga, ainda em Lisboa, fui ontem jantar a um restaurante italiano heterodoxo, em Seminiak, mesmo na praia, em que tudo era espantosamente bom e de uma sofisticação irresistível. Para meu espanto, enquanto esperava pela mesa, a música que tocava era do Nicola Conte (que quase ninguém em Itália conhece). Há uns dias, o Pedro ficou estarrecido com o facto de me ter enviado um SMS e eu lhe ter respondido de imediato, a esta distância. É verdade que há um mundo que está a ficar mais pequeno, mas há também, ao mesmo tempo, um mundo que em todo o lado nos aproxima. O mundo da boa cozinha e claro da boa música. E, nesse mundo, a tecnologia conta para pouco. PAS
 
Comunicado do País Relativo:Primeiro, Marcelo Rebelo de Sousa na TVI. Agora, Santana Lopes na SIC. O País Relativo vem por este meio apelar à Alta Autoridade para a Comunicação Social e à Comissão Nacional de Eleições para que, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei 319-A/76, actuem junto da direcção de informação da RTP no sentido desta convidar imediatamente o Professor Cavaco Silva para comentador residente. Caso contrário, pensamos que pode estar em causa o princípio constitucional da igualdade de oportunidades entre (pré-)candidaturas presidenciais e, como tal, o próprio Estado de Direito Democrático. PR


 
A dona Estefânia Era uma vez um príncipe encantado, um nadinha feio. O príncipe tinha um grande brinquedo chamado Mónaco, mas não tinha com quem brincar, nem filhos a quem o deixar. Suspeitou que para isso precisava de mulher. O príncipe punha um ar vagamente antigo, e andava sempre com uma espada. Por estas razões, parecia aos americanos um perfeito europeu. O príncipe vagueava triste pelos salões da alta sociedade ianque à procura de esposa. Andava, andava e já desesperava, pois a espada lhe pesava e da prometida consorte – nada. No emaranhado de croquetes e corpetes em que cirandava, eis que avista uma mulher lindíssima com ar de princesa. Grace de sua graça. Casaram num fósforo, e ela viveu infeliz para sempre.

Do casamento nasceram duas meninas e um menino. As meninas são muito lindas. O menino é, hoje, careca. As meninas chamam-se Carolina e Estefânia e dão-se e não se dão bem. O pai delas não deixava a mãe fazer aquilo que ela mais gostava, que era representar. Por isso, Grace viu-se obrigada a fazer aquilo que mais gostava a seguir a representar, que era beber umas flautas e chupar uns burriés. O Mónaco é muito alto e tem estradas muito íngremes. Por isso, ou porque ia a guiar a Estefânia quando ainda era lolita ou porque mãe ébria e filha discutiam, o automóvel descontrolou-se e matou Grace, mas a sua filha não.

Estefânia cresceu e tornou-se uma adolescente problemática. A irmã irradiava uma heterodoxia ligeiramente mais aceitável, por isso casou com um senhor italiano que pilotava barcos e que depois morreu e que se chamava Casiraghi. Estefânia não havia meio de ser igual à irmã, empinou o cabelo e teve uma banda rock. A sua rebeldia sem causa tornou-se uma espécie de dor-de-cabeça oficial do pai. O pai, entretanto destroçado, ia gerindo o brinquedo o melhor que sabia. Mas como o Mónaco é o único casino com hino, Fórmula Um, bilhete de identidade e família real própria, e porque a casa ganha sempre, foi enriquecendo cada vez mais. Deixou de usar espada, passou a usar evasão fiscal. O carácter ligeiramente escandaloso do seu brinquedo atormenta de vez em quando as cabecinhas jacobinas dos gauleses, mas o pior é que o Alberto não casa.

Ao invés, a mana mais nova casou agora com Adam Lopes Perez. Jornais e revistas da especialidade rejubilaram justamente com o feito do português de gema Adam Perez. Uma verdadeira lança no Mónaco é o que é. De resto, foi assim e bem, través de corajosas alianças matrimoniais, que chegámos a ter um rei sobrinho do marido da rainha Vitória. Já há uns anos que levamos docemente com a dona Estefânia. É que não somos poupados a nada. Senão, veja-se. A princesa rebelde. A princesa cantora. A princesa que embirra com a irmã. A princesa que casa, sucessivamente, com o guarda-costas, o dono do circo e o trapezista. Estefânia vive numa roulotte – ai, Jesus – com o pessoal do circo – ai, meu Deus – mas é uma roulotte maior que as casas de todos os relativos juntos. A verdade é que já não há paciência para a Estefânia e para a sua encenada e subsidiada rebeldia. RB
terça-feira, setembro 23
 
Uma questão de confiança: Há, normalmente, a expectativa de que lugares como Bali sejam inseguros. E a verdade, é que a pobreza, as ruas sujas e a falta de luz à noite criam, a início, uma sensação de insegurança. Mas, rapidamente, ela se esvai. Pode confiar-se nos balineses. Logo no primeiro dia, deixei a minha prancha a arranjar num sítio de que não tinha referências e cujo ar era atípico para um ocidental acabado de aterrar. Por momentos, passou-me pela cabeça que no dia seguinte facilmente podiam dizer que nunca lá tinha ido entregar prancha nenhuma. Na praia, ao contrário da maior parte de todos os outros sítios que giram em torno do surf, pode deixar-se tudo que voltamos e está tudo igual (diz quem surfou na Costa Rica, no México ou no Brasil que não costuma ser assim). Mas, para além da confiança, os Balineses são gente cheia de outras qualidades. Uma simpatia contagiante e um enorme sentido de humor (que é também sinal de inteligência) e uma capacidade de agradar, que nunca, em momento algum, cai no servilismo. Bali significa oferecer e a religiosidade local - que é muito forte e muito visível, num hinduísmo idiossincrático - é toda centrada nessa ideia. Os Balineses, do mesmo modo que pela manhã oferecem sempre alguma coisa aos seus deuses, oferecem a ilha com a alegria de quem dá. Eu não quero renegar de uma penada o marxismo light de outras polémicas, mas o despojamento dos templos e a felicidade no oferecer, faz com que os balineses ajudem a fazer de Bali um sítio ainda mais fantástico e faz com que eu me torne um pouco mais weberiano. PAS
 
Weather Report: Todos temos os nossos Rosebuds e cada um chega ao seu de um modo particular. Eu cheguei ao verdadeiro Rosebud por vias travessas. Não sei bem há quantos anos, mas, sempre que dava o Colombo na televisão, com o magnífico Peter Falk, eu fazia um enorme esforço para me manter acordado. Nessa altura dormia bem, muito bem, e a série começava demasiado tarde. Por vezes ou ficava acordado ou acordava, mas, lembro-me muito bem de um episódio em que havia uns dobermans que atacavam ao som da palavra Rosebud. Na altura o meu pai explicou-me o que era o Rosebud. Claro que ele já não se lembrará. Mas, eu tenho a certeza que foi assim e que isso passou-se no tempo em que dormia muito bem. Aqui em Bali, encontrei um novo Rosebud. Uma tranquilidade absoluta, um conforto e as ondas que não param de vir (hoje o mar esteve com uns 9 pés!). Também por isso, tenho dormido muito bem, o que faz toda a diferença do mundo, e não me "doem os olhos". Durmo muito cedo e acordo ainda mais cedo. Durante o dia, no mini-disc, ouço insistentemente a versão dos Everything But the Girl do "Only Living Boy in NY" do Simon and Garfunkel, "I get all the news I need on the weather report". É mais ou menos como na música. É que não estar em Portugal e por uns tempos não saber o que se passa por aí infelizmente ajuda a dormir bem. PAS
 
O amor é fodido I Perante as primeiras imagens do Big Brother 4, o nosso RB disse que aquilo parecia um filme pornográfico sem sexo, ao estilo das telenovelas mexicanas. A verdade é que a coisa rapidamente descambou para pornografia «com sexo», o que levou a Tv Cabo a codificar não só o canal 18 como também o 43.

Tudo começou com o jogo da verdade ou consequência. A questão era saber o que é que cada um dos concorrentes mais valorizava numa pessoa. Indiferente às trocas de insultos que a mãe e a tia («a mãe dele é uma prostituta») trocavam na TV Guia (outrora uma publicação de referência como o Expresso), Ricardo («M»). foi directo ao assunto: «não gosto delas (sic) nem muito altas nem muito baixas. As mamas não são importantes: para mim o fundamental é um rabinho bem torneado». Como convém, esta descrição foi acompanhada por uma gestualidade bastante expressiva. A mãe, convicta de que o estava a ajudar, disse à Teresa Guilherme que «ele é lá dentro o que é cá fora».

Depois de ter deixado claro ao que vinha, Ricardo começou por aplicar uma «massagem exótica» à Tatiana. Note-se que a Tatiana é uma jovem transmontana, possuidora não só de «uma Nossa Senhora de dois metros» como também de um certificado de virgindade (que foi, aliás, exibido pela sua médica em directo). Enquanto era «massajada», a jovem Tatiana deixou-nos importantes informações: «Foi Nossa Senhora que curou o pai do Roberto Leal, sabias?». O Ricardo também é católico, mas não vai à missa e a Nossa Senhora dele é mais pequena. Farto da conversa fiada da Tatiana, e depois de mais um jantar afrodisíaco bem regado, orientou as suas atenções para a Carla, uma jovem urbana desinibida, proprietária de uma sex-shop no Porto ? no fundo, a «anti-virgem» da casa. É neste ponto de viragem que a candidata favorita do nosso amigo LFB, a Alzira, uma açoreana da Terceira que estuda (Física Quântica?) no Politécnico de Portalegre, observa que aquilo «deu uma volta de 150 graus». 150 graus depois, a Tatiana estava a chorar no quarto e a Carla e o Ricardo no duche e na «cama do líder». A mãe da Carla já tinha prometido que a filha ia «fazer muito sexo na casa», e não se pode dizer que a Carla não esteja a cumprir. A Teresa Guilherme chegou mesmo a ouvir «gemidos». Ricardo é que não se ficou: «Mas ouviu gemidos meus ou dela?!». A Tatiana ficou triste com o desenrolar dos acontecimentos, mas rapidamente resolveu o assunto parafraseando a avó: «Cada vez percebo menos estes homens de hoje em dia». Como diria o Prof. Espada, faz falta «uma educação para a gentlemanship». FN

domingo, setembro 21
 
Posts de Domingo
«A minha mulher escolheu-me a partir de um livro de estrelas de futebol, eu escolhi-a depois de a ver num teledisco.»
David Beckham

«Ele (Ferguson) preferia que eu encontrasse uma mulher que ficasse fechada em casa, a fazer limpezas, a mudar fraldas...Mas não se pode escolher a pessoa por quem nos apaixonamos.»
idem

«Seria incapaz de usar o meu corpo só para ser famosa.»
Fabiana Alvarez, actriz e capa da Playboy

«Sinto-me tentada a pôr silicone no peito.»
idem

«Se for rapaz é Asterix.»
Herman sobre a propósito da gravidez de Maria Rueff

«O português ainda não está habituado a gastar 20 contos num jantar.»
Olivier, proprietário de um restaurante na Escócia

«Sou uma pessoa que vai pouco a festas, por isso, quando venho, procuro vir bem.»
Fátima Lopes, apresentadora, numa festa

«Vou pouco a festas.»
José Alberto Carvalho, numa festa

«Inspirei-me no misticismo da serra de Sintra, em fadas e em conceitos como o Romantismo.»
Pedro Ramos e Ramos, numa festa na Casa do Castelo

«A festa da Betty e do José Castelo Branco está fantástica. Está cá Portugal inteiro.»
Lili Caneças
Selecção: FN; Fontes: Caras e Lux

 
ADEUS LENIN! Fui ontem ver um filme que vale bem a pena. Chama-se Good Bye Lenin, do realizador alemão Wolfgang Becker. O género é o melodrama, com comédia e drama em doses bem equilibradas. Narra a história de uma funcionária do Partido, divorciada, com um casal de filhos, na Berlim leste. Poucos dias antes da queda do muro, ela entra em coma e só recupera passados oito meses, quando os trabants tinham já entrado no museu do comunismo. Sucede que a mãe não pode apanhar qualquer susto, e por isso a família tem que reconstruir a velha RDA já defunta no velho quarto do apartamento. Tudo o que ela vê, come ou ouve tem que confirmar a continuada existência de um mundo inexistente. Saem os móveis do Ikea entretanto comprados, voltam as velharias de aglomerado de madeira e por aí fora. No quarto, ela deve repousar e convalescer. Lá fora, o mundo gira a muitas rotações por minuto. Temos a sorte de ver Berlim em todo o seu esplendor soviet-chic, nada da xaropada romântica de Wim Wenders. Aliás, a iconografia kitsch soviético explode nas roupas, nos edifícios, nas cores, nas cores dos trabant, nos utensílios de cozinha, nas marcas de enlatados. Voltando à mãe. O problema é que a nova realidade do capitalismo se infiltra por todos os poros, por todos os escombros do antigo regime, da antiga cidade e da própria família que entretanto se alarga pelos amores dos filhos. Todas as coisas têm uma racha, que é por onde entra a luz. Pois bem, a racha que começa a fender a RDA-de-quarto é um gigantesco placard da coca-cola que, por puro azar, é pendurado no prédio em frente da janela do quarto.

Um filme feito com inteligência, mas sobretudo com ternura. Actores em estado de graça, ilustres meus deconhecidos todos eles. Um filme que nos dá a ver uma transição e o que estava antes, não para fazer um arraial ideológico ou um comício - o contrário disso. O comunismo e a transição são mostrados através das histórias das pessoas que os viveram, e não dos académicos que os estudaram ou dos políticos que por eles em vão rezaram. Isso permite recuperar aquilo que de bom havia no mau, sem cair na demagogia ou ingenuidade. E só quem nunca foi puto e não passou tardes a brincar a fazer papagaios de papel nos pioneiros do PC não sabe o que eu quero dizer com isto. É, por isso, um filme que Domingos Abrantes e Vítor Dias poderiam ver com agravo. RB
sexta-feira, setembro 19
 
Dreamland: As ondas perfeitas que apanhei em Balangan e hoje em Dreamland (a praia chama-se apropriadamente assim) não interessam a muitos, mas o depois do surf - e não é o cigarro - é irresistível para quase todos. Imaginem uma praia de água quente, com pouca gente, cadeiras de madeira e chapéus, atrás uns bares onde tudo custa quase nada (uns fantásticos batidos umas 6000 rupias, 60 cêntimos). Depois, quando já não aguentarem o sol e estiverem fartos dos banhos, entreguem-se às massagistas. Por 3 euros podem ter meia-hora de massagem por 4 mãos, ali mesmo na praia. 5 horas de surf e depois meia-hora de massagem. Isto recorda-me uma frase que li há uns tempos num blog: "a vida pode ser perfeita, as pessoas é que a complicam". PAS
quinta-feira, setembro 18
 
É a qualificação, estúpidos! André Freire escreveu, no público de terça-feira, um artigo que quem ainda não leu, deve ler rapidamente. Porque para além das questões que levanta em torno da situação preocupante do ensino superior público em Portugal, que tem de uma vez por todas de ser assumido como um vector estratégico da modernização do país e não como um fardo para o Estado, responde por antecipação a parte significativa das preocupações de que o Público de ontem dava conta, em torno das questões da produtividade.

Estas preocupações são como se sabe, antigas. E cíclicas. Pela enésima vez, estão em cima da mesa, e é meritório que este governo demonstre agora alguma vontade de agir sobre elas. O que é menos meritório é que se permita omitir quase por completo algo que é um adquirido consensual nos diagnósticos sobre este problema: a questão do défice de qualificação dos portugueses.

Nos termos em que a questão está a ser colocada, fala-se de tudo, mas não se fala do mais importante. Sem combater o défice de qualificação, escolar e profissional, o défice de produtividade não vai ser vencido.

Não chega aumentar a exigência e a avaliação da qualidade da educação. É uma preocupação importante, mas que é um passo que não dispensa um outro, e anterior, a imperiosa necessidade de formar mais pessoas, mais rapidamente, com mais qualificações, e ao longo da vida. Podem-se inventar leis laborais mais flexíveis a pretexto da produtividade. Como se a segurança fosse inimiga da produtividade. Pode-se emagrecer o Estado e privatizar as suas funções, também sob este pretexto. Como se o Estado fosse o problema, ou fosse sequer menos “produtivo” do que boa parte do tecido empresarial. Pode-se, em suma, agir sobre um conjunto de domínios, mais ou menos importantes, mais ou menos espúrios.

Mas é espantoso como se consegue falhar de maneira tão gritante uma das frentes centrais e incontornáveis para a melhoria da produtividade: a educação e qualificação dos portugueses.

E é inaceitável como mais uma vez estamos perante uma mistificação grosseira que Durão Barroso tenta vender. Este “esquecimento” da educação quando se fala da produtividade mostra bem qual a prioridade que é, na verdade, atribuida à qualificação no quadro da agenda política do governo, quando o próprio primeiro-ministro dissera exactamente o contrário, há ainda bem poucas semanas. MC


 
Objectos em vias de extinção: TSF Não me refiro aqui à telefonia sem fios (que também já conheceu melhores dias), mas sim à «rádio em directo». Nos anos 90 houve três coisas que mudaram o jornalismo: o Independente, a TSF e a SIC. Dois destes três projectos foram liderados por Emídio Rangel, curiosamente o autor de um relatório que visa acabar com a TSF tal como a conhecíamos. Percebe-se a reacção que isto provocou na blogosfera, mas algum crédito terá Rangel. Pela minha parte, confesso que a TSF foi como o Indy ou o Terça à Noite – uma boa escola de política que gerava em mim alguns comportamentos anti-sociais. Lembro-me de uns walkman Sony amarelos à prova de água, também eles em vias de extinção. O meu tinha rádio e cassetes, mas eu raramente usava as cassetes. A TSF era estranhamente viciante e muito bem feita: conseguia fazer com que o cavaquismo, o período político mais cinzento desde que há democracia, parecesse uma coisa excitante. Com o nascimento da SIC, os melhores jornalistas emigraram e a lógica dos grupos de comunicação afastou definitivamente os dois projectos. É por essa altura que surgem programas inenarráveis, como o «Fórum da TSF» ou a «Bancada Central». Em nome desse simulacro de democracia que dá pelo nome de «interactividade», a TSF abriu a sua antena a maluquinhos e ressabiados (um pouco como nós fazemos aqui nos comments do País Relativo: não estou obviamente a pensar no Real).

O programa que eu mais gostava era o Flashback. Se não me engano, quando comecei a ouvir aquilo Vasco Pulido Valente (VPV) estava próximo do PS, Pacheco Pereira acabado de entrar no PSD e José Magalhães em vias de sair do PC. Lamentavelmente, o programa evoluiu para um prolongamento dos debates parlamentares - precisamente o contrário do que se pretendia inicialmente. Naturalmente, VPV acabou por ser substituído por um senhor simpático que está agora na Cruz Vermelha e que, por sua vez, deu lugar a Lobo Xavier, que se limita a repetir o que diz Pacheco (menos quando o tema é Paulo Portas). A única vantagem que aquilo tinha ultimamente era que repetia às 3 da manhã, funcionando, sem receita médica, como um medicamento genérico para adormecer nessa noite complicada que é a noite de domingo. Este domingo senti a falta. FN

 
Osama don't surf: A frase de Robert Duvall no Apocalipse Now, depois feita música pelos Clash no Sandinista, está aqui, em t-shirts, por todo o lado. Agora o Charlie, inimigo de outros tempos, é, também aqui, Osama. Pouco menos de um ano depois do atentado que matou mais de duzentas pessoas a ilha está diferente. O terrível ground zero de Kuta, antiga discoteca e, por isso, local de "perversão" dos turistas, está aí para nos ligar à terra, mas as ruas desertas, os restaurantes vazios e lojas desesperadamente em busca de clientes são hoje as faces visíveis do terrorismo. O Primeiro-Ministro Australiano aconselhou, aliás, os seus concidadãos a evitarem a Indonésia nas férias. O resultado é trágico para os balineses. Mas, para meu espanto, as expectativas de que a pouca gente tivesse correspondência no surf não se confirmaram. Os surfistas parecem ser uma raça à parte e raciocinam todos de modo igual. Há menos turistas, logo vamos para lá. Bali está vazio, mas o crowd no surf continua. Ao segundo dia fomos a Ulu Watu. Como se diz nestas coisas, um visual alucinante: uma enorme baía, ladeada por um templo Hindu do século XI e três picos diferentes, todos eles com uns cem metros de onda. O acesso é pelo meio de uma caverna, que faz com que as saídas com a maré cheia sejam difíceis. As ondas absolutamente fantásticas: num dia mau, àgua quente, 4-5 pés com força e ondas tão compridas que no fim são as pernas que ficam a doer! Mas, o pior é o crowd e o pior do crowd são os australianos. Não menos de 80 dentro de água e em três horas de surf não fiz mais de 15 ondas. Por muito que isso custe ao meu surf, a verdade é que são também os surfistas australianos, ao continuarem a vir a Bali, que contrariam a estupidez do seu governo, que parece querer mesmo que Osama surf. PAS
 
Política XXI Foi anunciado o fim da Política XXI. Até ao momento, foi a única organização a retirar corajosamente as consequências políticas do fracasso da flash-mob de dia 15. FN/RB
 
Beleza assassinada Ao que já foi dito sobre o hediondo assassínio de Anna Lindh, falta talvez dizer o óbvio. Anna Lindh era uma mulher bonita. Não por acaso, quando Sérgio Vieira de Mello morreu vítima de ataque não menos bárbaro, lembro-me de comentar para o lado, e muitas outras pessoas também o fizeram, que era um homem bonito. A beleza assassinada tem qualquer coisa de triste, de imoral. RB
quarta-feira, setembro 17
 
Bartleby & Companhia Bartleby é um manga-de-alpaca que nunca foi visto a ler, nem sequer um jornal. Ele fica em pé durante longas horas olhando fixamente para nada, através da janela do seu escritório de Wall Street. Bartleby nunca bebe cerveja, chá ou café como os outros. Como vive no escritório, nunca foi a parte alguma; nunca disse a ninguém quem é, nem de onde vem, nem se tem familiares neste mundo. Quando se lhe pergunta onde nasceu, ou se lhe distribui uma tarefa, ou se lhe pede que faça ou diga qualquer coisa, responde invariavelmente: «Prefiro não o fazer».

O livro de Enrique Vila-Matas é um ensaio ficcionado através do qual o narrador apresenta umas “notas sem texto”. Estas notas conduzem o leitor numa viagem ao síndroma de Bartleby, esse “mal endémico da literatura contemporânea”. Como um etiologista que identifica espécies, o narrador desfila casos de atracção literária pela renúncia à escrita, pelo nada, que faz com que certos criadores, ainda que possuindo uma consciência literária muito exigente (ou se calhar por causa disso mesmo), acabem por nada escrever, ou escrevem uma ou duas obras e depois emudeçam. Eis alguns dos autores abordados: Robert Walser, Melville, Juan Rulfo, Pere Gimferrer, Pynchon, Hofmansthal, Stefan Zweig, entre muitos outros.

Por esta altura, poderá estar a perguntar-se para que serve este post. Não é mal perguntado. A verdade é que me pagaram para isto. Só falta mais esta coisa que estava no contrato: presente do singular, modo imperativo, aqui vai: leiam o livro, se for mesmo preciso, comprem-no. RB
 
Movimento social dá sinais de inexistência Três pessoas participaram na primeira flash-mob tuga, ontem em frente à Assembleia da República. Estavam lá mais repórteres que flash-mobbers e mais polícias que repórteres. Moral da história: se não é o PCP a organizar, não se faz nada em condições. RB
 

 
Mais um sobre o Dr. Portas: nunca é demais falar de tão fascinante personagem e de tão lamentável discurso. Em primeiro lugar a forma. Há ali traços de “personalidade autoritária”: o dedo apontado, a expressão facial zangada, todo o aparato que o rodeia. Para aquilo ter um efeito melhor, só faltou uma realização ao nível de Leni Riefenstahl.

Depois o conteúdo. Os valores da «Nação», da «Autoridade», do «Trabalho». Claro que os imigrantes são «seres humanos como nós» (Portas concede-lhes isto generosamente), mas quando há desemprego deve ser dada «prioridade aos portugueses». É sem dúvida a vulgata de Le Pen, como bem observou Pacheco Pereira. (Relativamente ao Abrupto, a única coisa que não se percebe é o facto de não ser tão exigente com Bush, Berlusconi ou Haider como tem sido com o Dr. Portas.)

Finalmente, ainda veio com a história da revisão constitucional. É pura demagogia, na linha de Maggiolo, dos antigos combatentes e das farras do PSD/Madeira. Portas quer «uma Constituição neutra» sem referências ao «socialismo». Tão neutra como a Constituição Europeia, que, no seu entender, devia fazer referência à «civilização cristã». Como é óbvio, uma Constituição é sempre o resultado de um processo de transição de regime. E quem promoveu a resistência à ditadura e a transição para a democracia foram a esquerda e os capitães de Abril (por muitas asneiras que tenham cometido a seguir). Não foi o Dr. Portas, que andava de calções, nem os fundadores do seu partido - esses estavam, como sempre, «do lado certo da História», isto é, do lado do poder (autoritário). Por outro lado, Portas diz-nos ainda que «não é o país que serve a Constituição, mas a Constituição que serve o país». É outro argumento perigoso, a fazer lembrar as «forças do bloqueio» do Prof. Cavaco. Numa democracia liberal, acima da vontade das maiorias do momento, vigora o chamado «governo das leis». E a Constituição é a Lei Fundamental. Enfim, foi você que pediu uma direita radical? FN

terça-feira, setembro 16
 
A "governação humanista" ou a direita radical com pele de cordeiro Já era suficientemente suspeito que o rótulo “governação humanista”, termo ao mesmo tempo suave e piedoso, e ao que se diz da lavra do ministro Bagão Félix, tivesse sido inventado para fazer oposição à “governação progressista”. Como se pode ser humanista por oposição ao progressismo? Aliás, desde quando é que o progressismo não é humanista?

Mas, se dúvidas tivessem chegado a existir sobre o espírito e a real thing do que está em causa, elas estão à partida desfeitas. Bagão Félix há muito que deu todas as provas de ser um humanista radical, ao aprovar um código do trabalho que escancara as portas à assimetria e à desumanização do trabalho e das relações laborais. Já antes disso, tentara a todo o custo perverter o rendimento mínimo, tornando-o numa arma de arremesso e de julgamentos morais contra os mais pobres. E a sua atitude esfíngica, de continuada negligência, sobre o flagelo do desemprego lembra-nos mais uma vez a sua faceta "humanista".

Mas, enquanto Bagão se entretém com os seus aforismos e brinca, no recato do seu lar, aos rótulos prontos-a-colar, Portas respondeu "pela positiva", sem medos, à questão ideológica que tem assolado os jornais e a blogosfera nos últimos tempos. Direita radical, nós? Ao destilar (cada vez mais sem subterfúgios) um ódio mal contido contra os imigrantes, deixando bem claro que “os portugueses estão primeiro” e que as quotas de imigrantes têm de ser mínimas ou zero, Portas assumiu sem tibiezas a bandeira por excelência da extrema direita xenófoba – talvez com medo da Nova Democracia e do que poderá vir do seu flanco direito, se o deixar a descoberto.

Ainda assim, há quem diga, e continue a dizer, e repita, e insista, que este governo é “de direita”. Assim, suavemente. Querem convencer-se a si próprios; nada mais legítimo. Mas noto que eram os mesmos que há um ano diziam que o governo era de "centro-direita". Agora já é de "direita". Estão no rumo certo. Um destes dias, chegam à resposta certa. MC

 
Fusos horarios: Adormeci muito cedo e acordei ainda mais cedo, vou a praia, quando ainda nao ha ninguem para alem dos balineses. A temperatura e' a mesma do dia de ontem e sempre constante. A mare completamente vazia deixa ver o recife todo. Passeio na praia e, pela primeira vez, nao sou abordado por ninguem. Os balineses ainda nao comecaram a oferecer insistentemente as mais diversas coisas. 'Transport, marijuana, tatoo, massage, woman!'. Nada. A pobreza, que esta por todo o lado, e o desenrascanco, que e' a unica resposta que existe para aquela, esperam ate mais tarde. PAS
 
Noticias do paraiso: Mais de 24 horas depois cheguei a Bali. A pista de aterragem comeca na agua e acaba em terra. Ainda no ar reparo nas Airport Lefts com 4 pes perfeitos e nao mais de 6 surfistas no pico. Num apice, o cansaco da viagem mal dormida e os outros cansacos de Lx evaporam-se. Depois de 50 ofertas de taxi, chego finalmente ao hotel, onde ja estao os meus amigos. Mesmo em frente, Kuta Reef. Negociamos rapidamente o preco do barco para o pico - e por isso perdemos, concerteza. 3 euros pela viagem de ida e volta! Um dia mau para Bali. 3 pes perfeitos, agua quente e 10 surfistas no pico. Mas, cada onda tem 50 metros de parede e sempre com forca. No entanto, a vontade de fazer tudo no primeiro dia tem destas coisas. Surfamos ate a mare completamente vazia e na ultima onda, para aproveitar tudo, vou demasiadamente ate ao inside. O meu braco direito, do ombro ate as maos, fica ja com as marcas do coral. Depois de perder uma quilha e de me terem partido o nose da prancha no aviao era o que faltava. Contudo, nem uma ponta de aborrecimento. Amanha ha mais ondas e mais pranchas e o braco ha de ir ao sitio. PAS
 
Kuala Lumpur: quatro horas no aeroporto durante a noite, a principio quase vazio. La fora, entrevejo a cidade que aponta o futuro de toda esta regiao. Do aeroporto parte um comboio de dentro de uma especie de aquario, tudo mesmo no meio do free-shop. O aeroporto, apesar de ter mais internet points, mais luzes, hospedeiras diferentemente bonitas, mais televisoes que transmitem jogos da F.A. Premiership, e' no essencial igual aos que estao mais perto de nos. As mesmas lojas, com os mesmos perfumes, charutos, livros (os posters a anunciar o novo Harry Potter, a mesma fotografia da Hillary Clinton que estava em Amesterdao, de mao no queixo a olhar para a pre-candidatura). Ainda assim ha qualquer coisa de diferente. Nao consigo perceber o que, mas aqui passei a linha tenue que separa o Ocidente. Entretanto, o passar das horas e o amanhecer tras um rebulico inusitado. A diferenca tambem esta ai. O capitalismo efeverscente que se sente por todo o lado. Ha poucas coisas com tanta energia e tanta criatividade e, por estranho que isso pareca, no Ocidente isso comeca a faltar. PAS
 
As listas conjuntas Pelo que se lê nos jornais o CDS/PP quer ir a votos já nas europeias em listas conjuntas com o PSD. O CDS parece ávido de passar pelo registo civil para oficializar aquilo que até aqui tem sido uma união de facto. Porventura, Portas considera que as listas conjuntas (a AD pré- e não apenas pós-eleitoral) acrescentam solidez à coligação e, quem sabe, a prazo, abrem caminho para a fusão entre os dois partidos. O PSD, naturalmente, resiste a esta ideia. Era como a Guiness sucumbir a uma OPA hostil da Cristal preta. Assumamos que, para se manter estável a prazo, a coligação deve respeitar os bons princípios definidos em tempos por Sá Carneiro: o peso dos dois partidos deve ser bastante desproporcionado, tendo o PSD um peso claramente superior ao CDS. O CDS não pode ameaçar eleitoralmente o PSD, deverá manter-se numa posição subordinada. Ora, o CDS encontra-se no limiar do peso eleitoral aceitável para o PSD (se com 8% já existem dúvidas sobre quem manda no governo, imagine-se com 15%). Assim sendo, o CDS deveria estar interessado em ir a votos sozinho, em especial nas eleições europeias em que se não vota para o governo e poderia assim capitalizar o voto eurocéptico e o “issue-voting” anti-constituição europeia. O PSD deveria aceitar as listas conjuntas sem relutância, para não correr o risco de ver o CDS crescer eleitoralmente a partir do governo. O mesmo raciocínio se aplica por maioria de razão às autárquicas, mas aí fia mais fino e os efeitos do crescimento eleitoral do CDS poderão ser mais graves por violarem a regra da desproporção entre os dois partidos coligados. RB
 
Dedos amarelos, afinados em dó maior Os UHF fizeram vinte e cinco anos, assim, por extenso como nos cheques. Os UHF nunca foram a minha banda de rock preferida, se calhar nunca chegaram a ser muito bons. E isto apesar de algumas canções marcantes na definição do som do rock português de meados dos anos oitenta. Canções como «Jorge morreu», «Rua do Carmo» ou «Cavalos de corrida». Os UHF foram a melhor banda saída da Costa da Caparica em 1977. Hoje, são uma merda. Mas a verdade é que, pelo menos fugazmente, ainda que por uma só noite, incarnaram na perfeição o espírito da banda rock. Ficou gravado, acho que se chama «Ao vivo na Incrível Almadense» e é um grande disco. Ou pelo menos parecia-me, naquela idade em que andamos «de olhar fixo, à procura do profeta da rebeldia». RB
segunda-feira, setembro 15
 
Depois da tragédia, a farsa. É inacreditável o que se tem passado com esta «segunda vaga» de incêndios. Nos mesmos locais ou noutros, com as mesmas razões ou outras – a tragédia dos incêndios continua, para desespero de todos. O facto de tudo continuar a acontecer enquanto o ministro Figueiredo Lopes estava em Roma a participar num congresso sobre fogos acrescenta o toque infeliz de farsa burlesca. Mas quem, no Sábado, andou por Lisboa ou foi à praia, quem atravessou a ponte sobre o Tejo e não viu Lisboa, quem tinha cinzas na cama e na garganta, sentiu uma espécie de medo íntimo, como se calhar até aí não tinha sucedido. Horas e horas de directos de telejornais criam uma espécie de calo, de embrutecimento. Este sábado à tarde, tudo se tornou, de repente, presente. Este sábado à tarde, o ministro Figueiredo Lopes deixou de o ser. Que Durão o avise e poupem-nos a isto. RB
domingo, setembro 14
 
Porque hoje é domingo... Best of Summer 2003

«O Spicy é uma discoteca para gente mais "off-shore".»
Relações Públicas do Spicy

«Como bom português que sou, estou a tentar internacionalizar ao máximo o meu país.»
José Castel-Branco

«Tem surgido um tipo de gente que chega a ser assustadora.»
idem

«Lembro-me de estar a viajar para Tete num avião que levantava assim para cima.»
idem

«Não me considero escritora, mas sim filósofa.»
Paula Bobone

«Sou um cachorrinho nas minhas relações afectivas.»
Teresa Guilherme

«Somos uma família muito Indiana Jones.»
Sílvia Monjardim Garcia

«O que mais me surpreendeu em São Tomé foi o facto das pessoas serem todas muito simples e prestáveis.»
Bárbara Elias

«Isto está a dar uma volta de 150 graus.»
Concorrente do Big Brother

«Afinal, o que querem as mulheres? É a pergunta que fica por solucionar.»
Gianni Bulgari, criador italiano

Fontes: Caras, VIP, Herman SIC, Tal e Qual e Big Brother
Selecção: FN

quinta-feira, setembro 11
 
As listas de espera em oito breves lições Depois do milagre da subtracção dos mortos por calor, conseguido numa memorável performance de auto-imolação ao vivo na Assembleia da República, o ministro da saúde tem agora um novo espectáculo, que não se tem cansado de publicitar. É o truque da divisão das listas de espera.

Funciona basicamente assim: (1) promete-se com toda a facilidade acabar com as listas de espera de doentes, num prazo irrealizável e megalómano; (2) traça-se um plano igualmente irrealizável e megalómano para o conseguir, ainda por cima em contenção de custos; (3) quando tudo está a falhar e a situação só piora, corta-se arbitrariamente a lista de espera a meio, a lista A, do "antes", e a lista B, do "depois"; (5) mudadas as regras e a palavra dada a meio do jogo, jura-se a pés juntos que tudo o que foi prometido foi encurtar a lista "do antes"; (6) acaba-se lentamente com a lista A, que de qualquer modo se iria extiguindo, e festeja-se efusivamente tal feito; (7) discretamente, empurra-se para data oportuna, mas não calendarizada, um novo plano, desta vez para acabar com a lista B; (8) anuncia-se mais uma grande vitória política para o governo, talvez mesmo “mais uma” das já famosas "reformas estruturais".

Se esta chico-espertice não vale a chacota pública generalizada e a demissão no próprio dia, digam-me então quando deve um primeiro-ministro demitir um ministro. Ou será que Durão Barroso assina por baixo deste procedimento inacreditável? MC

 
11 de Setembro de 2001:

Americanos
Caetano Veloso


"(...)
Americanos são muito estatísticos
Têm gestos nítidos e sorrisos límpidos
Olhos de brilho penetrante que vão fundo
do que olham, mas não no próprio fundo
Os americanos representam grande parte
Da alegria existente neste mundo
Para os americanos branco é branco, preto é preto (e a mulata não é a tal) Bicha é bicha, macho é macho,
Mulher é mulher e dinheiro é dinheiro

E assim ganham-se, barganham-se, perdem-se
Concedem-se, conquistam-se direitos
Enquanto aqui embaixo a indefinição é o regime
E dançamos com uma graça cujo segredo nem eu mesmo sei
Entre a delícia e a desgraça,
Entre o monstruoso e o sublime

Americanos não são americanos
São velhos homens humanos
Chegando, passando, atravessando
São tipicamente americanos

Americanos sentem que algo se perdeu
Algo se quebrou, está se quebrando"

PAS
 
Pode alguém ser quem não é?: Desde que o André acabou com o blog dele e o Daniel me tinha dito que ia deixar o Blog de Esquerda que achava que havia marosca no ar. Pois aí está a prova e a blogosfera começa lentamente a equilibrar-se. Está criado o Barnabé que além dos dois tem a Rosa, dona de um blog graficamente imbatível, e mais três escribas cujo talento é conhecido, até de outras polémicas blogosféricas. Só não percebo porque é que não tentaram o trespasse do nome Blog de Esquerda, agora que os amores do Zé Mário o afastam todos os dias das políticas. Aliás, com vantagem evidente para o próprio. PAS
 
Um post um bocado caniche e os dias da blogosfera O cão de guarda, um dos blogs que o país relativo acrescentou à lista de links da casa, ficou um “bocado à rasca” quando viu que o incluímos nos blogs de esquerda. Angustiado, acha mesmo que isso só se pode dever ao facto de os posts que por lá se escrevem serem “bons”, tão bons como o Figo a jogar futebol. Bons, é verdade; quanto ao Figo, a fasquia será talvez um pouco alta. Talvez um Tiago, ou um Miguel. Mas o cão de guarda finta bem, e sempre que os posts fogem com alguma classe ao virtuosismo mostrado na física e na poética das partículas, que parece ser o seu “último terço do terreno”, tendem a estar do lado certo.

Só não percebo duas coisas: qual o espanto e qual a razão para ficar assim tão à rasca. Vindo de um cão de guarda e de um blog que se afirma “anti-caniche” tal confissão é, no mínimo, um pouco suspeita. Cão que ladra não morde?

O cão de guarda faz ainda uma referência às minhas “angústias” (sic) sobre o espartilhamento e rarefacção do debate político na blogosfera. Na verdade, não havia angústias no meu post, apenas constatações e notas soltas sobre a evolução dos modelos de relação hoje dominantes entre os blogs de ou com política. Nem há apelos a um "clustering defensivo", antes pelo contrário; se a blogosfera é um somatório variável de pequenas blogosferas, como diz o cão de guarda, é importante que cada um desses aglomerados (temáticos, ou outros) não se dilua numa unidade maior que, na verdade, não existe senão enquanto rede por eles constituida. Mas constato que não apenas tal post mereceu resposta, como merece mesmo uma resposta cheia de interrogações. Em matéria de angústias, é bom sinal. MC

terça-feira, setembro 9
 
Onze teses sobre o marxismo light

1.Marxistas como Marx
O principal erro de todo o marxismo é ter sido pós-marxista. Nós somos tão marxistas como Marx quando dizia: "eu não sou marxista". Nós somos marxistas da tendência Marx. Como as coisas andam é preciso querer negar muito a realidade para não ser marxista light.

2. Marx foi o primeiro marxista light
De acordo com a recente biografia de Francis Wheen, o próprio Karl Marx era um marxista light. Orgulhoso e pop. E era light no bom sentido indicado pelo Ivan. Também Marx se preocupava sobremaneira com a agenda do dia, a sua agenda: onde poderei ir beber um copo mais tarde?Ai que tenho que escrever ao Engels a pedir mais guito! Afinal o marxismo não paga as contas...E por aí fora.

3. Do exercício tipológico como denegação da cidadania discursiva do objecto.
O uso de uma tipologia procura sempre gerar efeitos de inteligibilidade sobre a matéria empírica. Mas para que isso seja útil, é necessário que a tipologia lance mais luz do que sombra na iluminação do objecto. Em segundo lugar, é necessário que seja aceitável do ponto de vista do convívio. O exercício tipológico contém uma denegação irrecusável da cidadania discursiva do objecto. O que esta bela frase quer dizer é que não aceitamos ser metidos em gaiolas com vizinhos marxistas que não conhecemos (e.g. Vladimir Illich), não queremos conhecer (e.g. J. I. Ramonet) e não escolhemos (e.g. V. I. Lenine).

4. O uso gradativo da categoria «light».
Discordamos do uso dado pelo Ivan à categoria «light». Fiorella Manoia, cantautora gauche italiana, já tinha avisado: "Il cacciatore uccide sempre per giocare". E nós não queremos ser as vítimas cinegéticas da montaria do Ivan. O que se entende por marxismo light? Existe uma gradação numa variável que é contínua, ou existe uma diferença qualitativa? Um exemplo por todos entendível: o queijo para barrar Philadelphia light é uma coisa, outra muito diferente é o stracchinno. Nós somos o strachinno.

5. Da importância da agenda
"Toda a vida social é essencialmente prática. Todos os mistérios que conduzem a teoria ao misticismo encontram a sua solução racional na prática humana e na compreensão dessa prática." Um gajo lê isto (tese VIII) e fica obrigatoriamente preocupado essencialmente com a agenda diária.

6. O nosso Giddens - podem saltar este ponto que nada de essencial muda.
Ficha de leitura (aconselhamos as da Papelaria Fernandes, do Rato).
Anthony Giddens, ex-professor de Cambridge e actual director da London School of Economics, adquiriu entretanto sobeja notoriedade pública. Lembre-se a autoria do projecto de reorientação política para a "esquerda", a polémica "terceira via". Giddens é hoje o conferencista de quem se fala, o conselheiro de governantes, o íntimo de Blair. Na fase inicial da sua carreira, ao longo da década de 70, Giddens procurou encontrar uma voz teórica e espistemológica própria. Fê-lo através de um trabalho de reposicionamento crítico em relação aos pais fundadores da disciplina, Weber, Durkheim e sobretudo, como é característico da sua geração, Marx. São desta altura obras como Capitalismo e moderna teoria social e Central problems in social theory. Nesta última, esboça aquilo que designou por "teoria da estruturação", a qual viria a expôr em pormenor no denso The constitution of society. A teoria pretende ultrapassar as limitações da sociologia fenomenológica e do funcionalismo-estrutural, propondo uma solução original para a dicotomia acção vs. estrutura.
A ambição de compreender a sociedade e as práticas sociais contemporâneas levou-o, de seguida, a estudar o fenómeno crucial da modernidade, tendo como ponto de partida a crítico ao materialismo histórico. Em dois livros, A contemporary critique of historical materialism e o excelente The nation-state and violence, a modernidade é definida como o resultado histórico da intersecção das forças do capitalismo, do industrialismo, da construção do Estado e das formas disciplinares de controlo social.
Como caracteriza Giddens o momento presente? Com a ajuda de Ulrich Beck, refuta as interpretações pós-modernas, avançando o conceito de "modernidade tardia", dissecado em várias obras, entre as quais Modernidade e identidade pessoal e As transformações da intimidade. Nestes volumes estão presentes os temas que marcam a sua reflexão nos anos 90, nomeadamente os da radicalização da modernidade, o processo de globalização e os ambientes de risco, o papel da tradição nas sociedades contemporâneas, a redefinição das relações de intimidade, amizade e família e, por último, o destino da democracia. Ultimamente, Giddens deveria estar atento aos sinais evidentes de cansaço intelectual. Quem acompanhe a sua obra verificará que repete exemplos e argumentos e que não escreve nada de verdadeiramente interessante desde o seu capítulo em Reflexive modernization, politics and aesthetics in the modern social order, co-editado com Ulrich Beck e Scott Lash em 1994. Desde esse ano nunca mais lemos o Giddens.

7. Do papel emancipatório do Estado e da burguesia
Gostamos do jovem Marx da Questão Judaica. O Marx marcadamente hegeliano, que vê no Estado a actualidade da ideia ética e o único mecanismo de superação da conflitualidade entre família e sociedade civil. Gostamos do Marx que faz o panegírico da burguesia e das revoluções liberais e que vê naquela o único motor verdadeiramente progressista da história, que é também a história da luta de classes.

8. Da actualidade de ser marxista
Vale a pena ser marxista num momento em que reganham desusado curso algumas ideias reaccionárias. É hoje tão actual como em 1848 fazer das pessoas cidadãos de corpo inteiro, libertá-las das grilhetas da ignorância, desigualdade e fanatismo religioso que as mantinham presas à terra. O carácter emancipatório do marxismo é absolutamente actual contra os slogans da velha ordem, que naturalizam as desigualdades. Somos, no essencial, materialistas, apesar da má sociologia que aquele tem dentro. Não temos paciência para a posição unívoca que tudo deduz da posição face à "detenção dos meios de produção". Claro que há autonomia relativa, mas, apesar de tudo, recorrendo ao L. Cohen,
"There is a war between the rich and poor,
a war between the man and the woman.
There is a war between the ones who say there is a war
and the ones who say there isn't.
Why don't you come on back to the war, that's right, get in it"

9. Gostamos/Não gostamos
Gostamos do Engels e dos marxistas críticos de Marx, do Bernstein e do Gramsci, ah! e dos Situacionistas (Boredom is always counter-revolutionary!). Não gostamos dos marxismos com hífen, é sempre a piorar.

10. And now for something completely different
A verdade é que se de alguma padecemos é de défice de marxismo, não do cubano, mas do puro. Notamos isso a todo o momento e todos os dias. Devíamos ter lido mais Marx do que aquele que lemos e isto lembra-nos que o devemos fazer mais, nomeadamente abandonando os positivismos para os quais as nossas vidas e as académicas em particular nos empurram.

11. Devemos ler Marx expurgado do marxismo.
Tudo o que os marxistas têm feito até agora é interpretar Marx de maneiras diferentes, o importante é recuperá-lo.
PAS/RB
 
Como os nossos pais: O nosso PM foi ontem pai. Com os dois que ele trouxe, já são três os pequenos relativos. O Pedro e a Merche tiveram dois filhos, o Tomás e o Hugo, longe das suas casas. Para além do acto de coragem que é um português e uma espanhola terem dois filhos, tê-los na Alemanha é uma autêntica bravata. Sabemos que entre o Racing Santander e Os Belenenses eles vão escolher o Real e o Benfica. Sabemos também que os pais lhes vão cantar o Forever Young do Bob Dylan:
May you grow up to be righteous,
May you grow up to be true,
May you always know the truth
And see the lights surrounding you.
May you always be courageous,
Stand upright and be strong,
May you stay forever young,
Forever young, forever young

Sabemos já como é que eles vão ser, como os pais, porque é assim que os filhos são. Nós já gostamos do Tomás e do Hugo.PR
 
Um dia como os outros Cai uma ponte pedonal sobre o IC19, ao que leio nos jornais pouco depois de uma intervenção do IEP. Miraculosamente - e felizmente - não há mortos, apenas feridos e um caos monumental. Mas será que a morte é critério para apurar a dimensão da responsabilidade política? Um dirigente do instituto dá explicações vagas às televisões. Fernando Seara, fazendo as vezes do personagem que se põe atrás das câmaras sempre que pode, acotovela-se para aparecer no canto da imagem. O ministro das obras públicas nem vê-lo. Quem? Mas há um ministro das obras públicas? Ninguém queria que se demitisse, só que dissesse alguma coisa. Que existisse. MC
 
A way to bleed your lover Um pouco tardia, mas muito oportunamente, vem-me parar às mãos algo útil para estes tempos, em que anda outra vez no ar uma mania irritante: há quem pretenda ter descoberto o rock, enfadonhamente redescoberto pela quadragésima vez desde que foi declarado vivo, e morto, e ressucitado, e morto outra vez, e desenterrado, e morto de vez, e reciclado, e ainda mais morto, e reinventado, e fundido, e por aí adiante. De cada vez, a descoberta soa mais falsa – e desinteressante. Em todo o caso, tornou-se uma rotina, uma espécie de ritual da indústria a que por vezes se torna difícil fugir.

Mas, precisamente por isso, e para lembrar aos incautos que para (continuar a) fazer boa música de guitarras em Portugal não é preciso sair do bolo incluído num qualquer flavour of the week, os Blind Zero lançaram há um par de meses, tranquilamente, mais um álbum muito razoável e consistente. Que é aliás o que têm feito, também de forma consistente, desde que se libertaram da manifestamente nefasta influência inicial dos tiques vocais de um certo Eddie Vedder, cuja sombra caricaturada a cada segundo roçava o insuportável nas primeiras edições. Dez anos depois desses passos iniciáticos e ingénuos, a viagem vai longa – e bem longe desse universo sonoro.

Se não fosse por mais nada, haveria muitas razões para simpatizar com os Blind Zero: são uma banda, mais do que politizada, com participação e cultura política militantes; e conseguiram construir uma carreira sólida no exíguo mercado português, com uma integridade e uma coerência que é sempre de assinalar. Mas não, não é isso. Além de tudo o resto, eles fazem música despretensiosa a que vale a pena dar um pouco (ou mais) de atenção. MC

segunda-feira, setembro 8
 
Flash Mob No próximo dia 15 terá lugar em Lisboa a primeira «Flash Mob» tuga. A ideia é concentrar o máximo número de pessoas na paragem de autocarro frente ao Parlamento, levando-as a praticar uma determinada acção. Neste caso, a acção começa com uma vaia de um minuto, seguida por uma salva de palmas e por um aceno de adeus, terminando com a dispersão dos lúdicos flash-mobbers, precisamente às 15.34.

O País Relativo, sempre na vanguarda dos movimentos sociais portugueses, aproveita e convoca desde já os seus eleitores, perdão: os seus leitores, e todos os portugueses, para uma «Flash Mob» a ter lugar pelas 16.30 do dia das próximas eleições legislativas. A «acção conjunta» consiste na meticulosa execução do seguinte plano:
16.30 Apresente-se no seu local de voto munido de cartão de eleitor válido.
16.31 Identifique-se junto da mesa através do seu BI.
16.32 Pegue na esferográfica Bic azul presa ao contraplacado da cabina de voto por uma corda com ar esquisito.
16.33 Vote contra o governo PSD/PP.
16.34 Desmobilize e funda-se com a multidão.

Programa opcional:
18.59 Em casa ou com amigos. Prepare um gin tónico e descontraia-se. A sua vida está prestes a melhorar.
RB
 
Uma autoridade administrativa independente para as florestas?

O modelo de autoridade administrativa independente torna-se rapidamente num dos paladinos de um Estado que se quer pós-social, ou seja, um Estado que, de prestador de serviços, passa a regulador de serviços, procedendo-se a uma desintervenção na economia.

Este modelo apenas parece fazer sentido em áreas em que o Estado é um forte agente económico e, em dado momento, tenha permitido o acesso de agentes privados a esses mercados. Assim acontece com a Entidade Reguladora do Sector Energético (ERSE) ou com a Autoridade Nacional de Comunicações (ICP-ANACOM). Uma outra razão parece ser a eventual sensibilidade dos bens em causa. Como acontece com a Comissão de Acesso a Documentos Administrativos (CADA). Ou, ainda, uma síntese dos dois. Como parece ser o caso da Alta Autoridade para a Comunicação Social.

O modelo regulatório é, assim, ora um modelo a ser aplicado num sentido Estado-Mercado, em que a primeira e evidente operação é o diagnóstico desse mercado; ora um modelo a ser aplicado a uma sensível área de interesse público, onde importa proceder à sua equilibrada determinação.

Em Portugal a opção tem sido a de uma cautelosa síntese entre as duas opções: as autoridades administrativas independentes estão simultaneamente a regular importantes mercados e áreas de sensível interesse público (salvas algumas excepções).

As florestas parecem, assim, excluídas à partida. Isto fica a dever-se ao facto de, por um lado, este ser um sector onde não só o Estado não é um agente económico forte e, por outro, não haver interesse e/ou capacidade económica dos pulverizados proprietários. Como refere Paulo Trigo Pereira "o problema florestal centra-se numa baixa rentabilidade associada a um excessivo peso e fragmentação da propriedade privada. Os incêndios são apenas um epifenómeno grave daquela realidade. Sem rentabilidade económica quais os incentivos privados para investir em limpeza e ordenamento?". Para este professor do ISEG, a solução passa pela dinamização do associativismo privado e intervenção do Estado.

Reflectindo sobre esta e outras opiniões que recentemente se têm alinhado no tocante a uma abordagem concertada do investimento e tratamento florestal é interessante considerar como hipótese a actuação bipartida do Estado neste domínio. Por um lado investindo directamente na propriedade florestal e exploração dos seus recursos, enquanto operador económico, até um limite que o torne suficientemente forte para dinamizar (melhor diríamos, dado o estado de incipiência do mesmo, criar) o mercado em causa. Não estamos aqui a advogar uma intervenção pública contra a maré das privatizações mas antes uma intervenção estratégica de arranque de um mercado que é simultaneamente forte em termos económicos e sensível em termos de interesse público. Por outro lado e para garantir desde o início o respectivo acompanhamento normativo, executivo e parajudicial, deveria o Estado ponderar uma entidade reguladadora do sector florestal.

A ideia poder parecer uma quimera ou despropositada mas apenas no actual estado do país. Num cenário de maior concentração da propriedade florestal (quer nos particulares quer no Estado) e da sua maximização económica este é um sector muito importante para o país. Como podemos aprender com os exemplos nórdicos.

O caminho pode ser, pois, o de investir e regular, numa perspectiva dúplice do Estado, assim fomentando um sector económico enquanto se impede que o abandono florestal possa voltar a permitir catástrofes como a deste Verão. DF

 
Agradecimentos relativos: Há muito tempo que andamos divididos entre manter os comentários no blog (opção que saiu vencedora) ou tirá-los, evitando os insultos anónimos e de uma cobardia nojenta que vão aparecendo por aqui, como noutros blogs. Convencemo-nos que era melhor deixá-los ficar, até porque algumas das vezes nos comentários geraram-se boas conversas e que funcionam paralelamente aos posts, mas, para além disso, os comentários servem, por vezes, para nos ajudarem a encontrar o que procuramos, até quando não sabemos bem o que procuramos. Há mesmo alguns que merecem agradecimentos especiais. Um deles está esquecido há uns tempos, mas, ainda que tarde, agradeço a RGF a letra do Sally Cinnamon dos Stone Roses, e agora ao Vasco e ao Tiago que me deram o FMI por inteiro. Mais uma vez, aconselho a leitura deste texto, que vive muito bem sem música. PAS
domingo, setembro 7
 
Já não sabemos sofrer? Há pouco tempo, a minha avó caiu e partiu um braço. A coisa tem metido hospitais, exames, idas e vindas do lar. Por estes dias, em conversa com uma amiga, ela contava-me da doença de familiares e amigos seus. Falámos sobretudo do que sentimos quando se visita alguém próximo que está doente, da sensação de impotência culpada, de ser o doente a dar força a quem o visita e não o contrário, de no hospital parecer que ninguém liga a nada. O tudo ser impessoal – quando para nós não poderia ser mais pessoal.

Antigamente, o parto, a morte e em geral a doença eram vividos em casa. A casa albergava ainda a «família alargada», composta euforicamente de várias gerações. O sofrimento e dor física dos mais chegados deveriam ser experiências comuns no correr quotidiano da vida. Se calhar, uma certa banalização, cada um vestir-se de uma carapaça emocional, seriam até meios eficazes para lidar com o sofrimento, pois que era imediato e irrecusável. Com o tempo, o parto, a morte e a doença emigraram para locais próprios, longe de casa (maternidades, hospitais, lares, etc.) e a estar por completo na mão de médicos, assistentes sociais, enfermeiros. Parece-me que o facto da doença, a nossa e a dos outros, ter deixado de ser algo próximo, quase familiar, e se ter transferido para locais emocionalmente distantes, cujo funcionamento não controlamos e em cujos funcionários temos irremediavelmente que confiar, teve consequências importantes. Primeiro, a ansiedade. Está a ser feito tudo o que se pode? No privado seria melhor? Porque é que optaram por não operar? É precisa uma segunda opinião? Depois, ateada pela primeira, a sensação terrível de desamparo perante o sofrimento. O sentir o coração pequeno e a garganta em nó. O baixar os olhos por não ser capaz de olhar os outros olhos com a força que eles precisam. E se calhar, não. Se calhar, o sofrimento foi sempre e será sempre à queima-roupa. RB

sexta-feira, setembro 5
 
Lavar as mãos antes de ir para a mesa: O meu amigo Ivan, repescando o mau comportamento como princípio político, transcreve, a propósito de um post que escrevi sobre um assunto incrivelmente chato, mas em igual medida importante, partes do FMI do José Mário Branco. Não conheço nenhuma transcrição por inteiro do texto. Acho que devia estar em algum lado e conhecendo o gosto que ele tem por transcrições, peço-lhe que o faça. É um bem que fazia à blogsfera e à esquerda subjectiva, parcial, desadequada e... relativa. PAS
 
O próximo livro que vou comprar O próximo livro que vou comprar é um livro do qual não sei o título, só sei o autor e o assunto. Topei com ele num outro livro acerca do qual já há tempo tenho vontade de escrever, o «Bartleby & Companhia» de Enrique Vila-Matas. O livro de Vila-Matas é sobre a renúncia à escrita, por ele designada «literatura do Não», e foi inspirado pela famosa personagem de Melville. Entre os «escritores ocultos», como Pynchon, Salinger ou, agora menos, Don DeLillo (que, aliás, parodia genialmente o personagem do escritor famoso recluso em Mao II), está B. Traven, autor de O Tesouro da Sierra Madre e Uma Ponte na Selva. Tendo dado a sua primeira, última e única entrevista em 1966, o autor entendeu remeter-se desde então a um espesso silêncio. Que era norte-americano de Chicago, para uns, para outros, era Otto Feige, escritor alemão anárquico; outros juravam tratar-se de Maurice Rethenau, filho do fundador da multinacional AEG; para outros ainda, era o filho do imperador Guilherme II.

John Huston, já encalhado a beber uísques em Las Caletas, perto de Puerto Vallarda (estância balnear imortalizada pela série Love Boat), decidiu, mais por desfastio, rodar o Tesouro da Sierra Madre. Escreveu o guião e enviou-o a Traven, que lhe respondeu com vinte páginas de sugestões. Marcado um encontro a dois na cidade do México, aparece-lhe alguém que se apresentou como «Hal Croves, agente cinematográfico de Traven» e lhe passou para a mão uma carta de desculpas de Traven. Croves passou a acompanhar activamente a rodagem de Tesouro, mostrando conhecer a obra de Traven de trás para a frente. No final da rodagem, era impossível convencer Huston e a equipa de que Croves não fosse Traven. Aquando da estreia, a questão Traven torna-se um fenómeno de moda e o mistério sobre a sua verdadeira identidade atinge proporções delirantes.

Por esta altura, as revistas pagavam a paparazzi para espiar Croves, descobrindo que trabalhava num pequeno armazém no limite da selva, próximo de Acapulco. Forçando a entrada, descobriram três manuscritos de Traven e provas de que este utilizava muitos nomes, entre os quais: Ret Marut, Traven Torsvan, Arnolds, Traves Torsvan, Barker, Berick Traven, Traven Torsvan Croves, B. T. Torsvan, Traven Robert Marut, Fred Maruth, Fred Mareth, Red Marut, Richard Maruth, Alberto Otto Max Wienecke, Adolf Rudolf Feige Kraus, Martínez, Fred Gaudet, Anton Riderschdeit, Robert Beck-Gran, Arthur Terlelm, Willhelm Schneider, Heinrich Otto Baker e Otto Torsvan. Faz lembrar a insubordinação onomástica que de que sofre Bagão Felix.

Jonah Raskin foi um dos que tentou esclarecer o mistério Traven. De início, pensou em escrever a biografia, a definitiva. Fez de tudo para deslindar a questão, contactando a viúva de Croves, amigos, conhecidos. Perdido nos labirintos onomásticos de Traven, em suadeiras contínuas pelas selvas húmidas do México, seguidas de repouso activo nos braços de Morfina e dos seus acólitos Justerini&Brooks e John Jameson, Raskin ia ficando maluco. Tinha começado a vestir-se com as roupas de Traven, usava os seus óculos, fazia-se chamar Hal Croves. Até que, num acesso de lucidez, decide desistir da biografia e escrever essa outra história, a da vã busca do verdadeiro nome de Traven. É este o próximo livro que vou comprar.RB
 
Segui o conselho de Luís Figo, na Caras de ontem, e disse hoje à minha namorada, à hora de almoço, que amava Helene Svedin e que os fihos de Figo eram, de facto, meus e dela, e que, por isso, os amava também. Agora a sério: hoje, à hora de almoço, disse à minha namorada que a amava. E pensei, pilhando descaradamente uma frase que os meus pais poderão ter trocado, que ela é a minha praia por debaixo da calçada. RB
quinta-feira, setembro 4
 
Quem viola o quê? A imprensa refere hoje abundantemente que o Ministério Público vai constituir oito novos arguidos no âmbito do caso Casa Pia e mais cinco por violação do segredo de justiça. Tendo em conta o teor das notícias - aliás à semelhança de muitas outras - julgo que os eventuais crimes de violação do segredo de justiça passam para seis. Ou não é assim? PAS
 
There, there... Uma banda sonora em fundo, para a travessia da noite.

There there
(the boney king of nowhere)

In pitch dark
I go walking in
Your landscape
Broken branches
Trip me as I speak
Just because you feel it
Doesn't mean it's there
Just because you feel it
Doesn't mean it's there
There's always a siren
Singing you to shipwreck
Steer away from these rocks
We'd be a walking disaster
Just because you feel it
Doesn't mean it's there
Just because you feel it
Doesn't mean it's there

There there

Why so green
and lonely?
Heaven sent you to me

We are accidents
Waiting
Waiting to happen
We are accidents
Waiting
Waiting to happen

Thom Yorke (do álbum dos radiohead, Hail to the Thief)

MC
quarta-feira, setembro 3
 
Consolida, Consolida: Há dois dias o governo português comunicou à Comissão um forte agravamento quer do défice do conjunto das administrações públicas, quer da dívida pública e, surpresa das surpresas, reviu em baixa o PIB. Nada que seja surpreendente, ou que não fosse expectável. Convém, no entanto, não esquecer que a senhora Ministra das Finanças, responsável por um conjunto de medidas, no dizer da mesma, "estúpidas", havia dito uns dias antes que a previsão do FMI, de -0,7 a -0,8% de variação real do PIB era pessimista. Surprise, surprise, o governo admite agora que estamos em recessão e fala de uma taxa de variação negativa de -0,9%. Mas, não menos grave, depois do embuste que foi o défice do ano passado, com as conhecidas manigâncias que escondem um défice muito superior ao apresentado, este ano está em curso o mesmíssimo processo. Já se adivinhava a primeira manigância, para além da martelagem das contas, e aí está ela. Uma surpreendente melhoria de 930 milhões de euros do superavit dos Serviços e Fundos Autónomos (cerca de 0,7% do défice) por força da transferência do Fundo de Pensões dos CTT para a Caixa Geral de Apresentações, tudo feito sem que tenha existido qualquer acto a conferir o mínimo de enquadramento legislativo a esta manigância (apresentada em Bruxelas à socapa!). Claro que fica por explicar um milagre. Depois de de Julho a Dezembro de 2002 o subsector Estado ter tido um agravamento de 630 milhões de Euros, o Governo vem agora dizer que durante esse mesmo período, em 2003, o défice aumentará, em igual período, menos 200 milhões de contos do que no ano passado. Tudo isto com a execução orçamental pelas ruas da amargura e a receita fiscal a diminuir, quando em 2002 estava a aumentar. Claro que com mais martelagem e mais manigâncias, a fraude nas contas públicas vai continuar. Evidente que a culpa é do PS. De quem poderia ser? Nunca do dr. Durão Barroso e das medidas "estúpidas" da drª. Manuela Ferreira Leite. Consolidação orçamental?onde é que ela anda? PAS
 
Os custos da insularização Uma das coisas que mais me entusiasmou na ideia de lançar um blog foi ter um meio expedito de escrever sobre o que vai acontecendo, e de poder escrever sobre o que os outros escrevem, dizem, pensam, em blogs ou fora deles. Pouco depois de o país relativo ter arrancado, a blogosfera explodiu, no verdadeiro sentido da palavra, e mesmo falando só no “segmento” político (entendido em sentido lato, ou seja, blogs sobre política, politizados, com interesse político ou interesse por política) passou a haver dezenas de referências a consultar. Tudo isto foi, claro, óptimo pela diversidade, pelo leque de escolhas e pela qualidade (de alguns) dos blogs que foram surgindo. Mas teve também consequências sérias: efeitos laterais mas perversos que não são mais do que doenças de crescimento.

Uma delas foi o inevitável espartilhar do debate, por multiplicação e consequente diluição dos interlocutores e das referências para quem escreve e/ou lê. É mais difícil seguir tantos blogs, e seguir as linhas de diálogo entre eles. Tornou-se quase impossível acompanhar o que se vai passando em tantos blogs – excepto se quase nos profissionalizarmos.

A este efeito seguiu-se um outro, também dificilmente evitável: a diminuição do debate sistemático e quase constante entre diferentes blogs, que chegou a ser a regra a certa altura, em particular quando estavam em causa orientações ideológicas, ou outras, diversas. Com algumas notáveis excepções, há hoje menos citações mútuas, aparentemente menos leituras mútuas, menos cruzamento de opiniões, menos espaço e tempo para o debate.

Por outras palavras: paradoxalmente, ou talvez não, o aumento exponencial da oferta e dos potenciais interlocutores levou a um empobrecimento do blogo-espaço-público, por via da sua fragmentação e da insularização a que esta condena os participantes. Isto levar-nos-ia a Habermas, e a sérias dúvidas sobre a utilidade e aplicabilidade da sua concepção das questões comunicacionais e do espaço público. Mas adiante.

Não estamos propriamente em tempo de ano novo, mas se houver lugar a votos de rentrée, ou pelo menos a algum wishful thinking nesta fase, os meus votos vão para que, utilizando uma linguagem tão na moda este Verão, haja um reacendimento do debate e do fogo mais ou menos amigo entre blogs. Não tenho dúvidas que este traço distintivo da blogosfera é directamente proporcional ao interesse deste formato: para quem escreve, para os diferentes blogs, para quem lê. MC

 
O Quarto do Filho: Sou suspeito, gosto muito de tudo o que vi do Nanni Moretti e gosto sempre mais cada vez que vejo. Por exemplo, a descoberta de que o Emilio Fede existe mesmo, finge que é jornalista e não apenas um boneco criado para o Aprile, serviu para radicalizar a minha visão da política italiana. Gosto do Moretti com as suas idiossincrasias, o Moretti irritado e impotente face à estupidez, e claro, face à estupidez da esquerda em particular. Mas, o 'Quarto do Filho', que hoje vem com o público (comprem, comprem!), é outro filme e é o meu preferido do Moretti. Está lá uma réstia da ironia (fabuloso quando ameaça voltar ao humor a propósito do jogging e abre o armário cheio de ténis para logo o fechar), mas, essencialmente está lá a vida como ela é feita. As pessoas que perante a grande dor se afastam, em lugar de se aproximarem como nos conta o cinema, a incapacidade de viver com a culpa dos pequenos actos que mudam tudo, o egoísmo, uma família que desafina ao cantar uma música do Paolo Conte no carro, e um pai que compra um disco do Brian Eno para oferecer no dia de anos ao filho que morreu. Depois tem aquele fim magnificamente triste, o By this River do Brian Eno e a família a caminhar para lados opostos da praia. Sim, eu sei, é um melodrama lamechas, mas é muito bom. E claro, tem a Laura Morante por todo o lado, que, entre outras coisas, prova que há razão quando se diz que a "mulher tem de ter algo de triste". PAS
terça-feira, setembro 2
 
Se estiverem em NYC: Recebi um email da Lori Carson. Ela infelizmente escreve-me poucas vezes, dá poucas notícias e edita discos com uma periodicidade excessivamente espaçada. Mesmo depois da Carla Bruni decidir ser cantora, a Lori Carson é, entre as raparigas que cantam, aquela de que mais gosto. Sou fã incondicional das músicas e das capas dos discos - o 'This is how it feels' dos Golden Palominos está entre os meus dez discos preferidos, pelas músicas e pela foto da capa. Mas, para o que agora interessa, fiquei a saber que a Lori Carson, uma nova-iorquina que deixou a cidade há um par de anos, quebra o silêncio e toca no Makor, no próximo dia 10, e que se prepara para lançar um disco ('Stolen Beauty' - um título que é, em si mesmo, uma provocação!) que recolhe músicas dispersas e mais uns quantos hits ? se é que se pode falar de tal coisa. Quem estiver ou for a Nova Iorque - que é por si só das melhores coisas que se pode fazer - mande notícias e conte como foi. É um pedido sentido. PAS
 
Antevisão Hoje será uma grande noite. Recomeçam os grandes clássicos do nosso futebol. Não me refiro ao porto-sporting, claro, até porque já se sabe quase tudo sobre o jogo. João Pinto vai estar "incansável" e a "criar desequilíbrios à esquerda e à direita". O porto será uma máquina de jogar futebol, mesmo que não jogue. A arbitragem vai ser contestada, eventualmente com razão. Mourinho vai elogiar os "seus" jogadores, o "seu grupo", a "sua" mentalidade ganhadora; vai-se elogiar a si próprio, portanto. E este ano, única novidade, até já se sabe quem vai pagar. Eu refiro-me mesmo é aos outros clássicos, ali para os lados de benfica, que regressam de férias com muita fome de bola. MC
 
2010 Durão Barroso, líder do PSD e primeiro-ministro (para os mais esquecidos), fez em Caminha o discurso mais pobre de que há memória na rentrée política de um líder de Governo. Ao fim de dois dias, já ninguém se lembra bem do que disse. Porque será? Deve ser porque não disse grande coisa. E acima de tudo não disse nada de substantivo ou de novo sobre aquilo que devia ter falado. Sobre emprego, nada - o que já não é novidade. Será que o ministro Bagão anda a reter informação no ministério do trabalho? Será que Durão não lê jornais? Sobre economia, generalidades e uma nova versão da promessa de baixas de impostos (lembram-se). Desta vez, a coisa já não se chama choque, e vem mais discreta, tímida e tardia; mas num contexto de séria degradação da situação orçamental será interessante ver o que vai acontecer. Aliás, sobre o próprio défice: que telenovela nos estará reservada este ano para o corte e costura do número final do défice. Sobre educação, basicamente efabulações e mentiras. Como se pode falar em investimento na educação quando as universidades públicas, a investigação científica, e inovação e a cultura estão ao abandono? Depois, qual cereja em cima do bolo, veio o estafado truque de traçar horizontes longínquos, distantes das incapacidades do presente: Durão anunciou a um povo agradecido que gostaria de governar até 2010, porque uma só legislatura não chega, não conseguiu explicar para quê. Pois não, não chega. Sobretudo se continuarem assim. Mas, pensando melhor, uma legislatura chega muito bem. Até sobra. MC
segunda-feira, setembro 1
 
Um velho conhecido nosso Num blog que com alguma frequência resvala para um registo a meio caminho entre a ficção científica e o humor nonsense, o que é legítimo e até divertido como registo, e para uma prosa que não raras vezes roça o rasteiro e o insulto do pior gosto, o que é um pouco mais triste, às tantas, e a propósito do patético caso Maggiolo, o dr. Portas era referido como um “conhecido católico”. Com o tom melindrado que já é habitual sempre que se belisca, mesmo que ao de leve, tão intocável e inatacável figura.

Mas reparem bem: o dr. Portas, um “conhecido católico”. A malta do gato fedorento que se cuide, porque a concorrência começa a apertar. O dr. Portas é muito conhecido. E será também católico, questão que só a ele diz respeito - exceptuando quando se torna objecto de exibição e, muito antes disso, arma política invocada a cada passo. O problema não é, porém, esse.

É que o dr. Portas também é um conhecido jornalista, profissão que exerceu anos a fio, com o brio e a dignidade conhecidas, e ao que se diz com carteira profissional e tudo. Um conhecido gentleman, reputado como homem sério e de confiança como poucos. Um homem conhecido, há muitos anos, pelo valor da sua palavra. Um homem conhecido pela sua prontidão em responder, sem subterfúgios, à justiça. Um conhecido arauto da verdade, que se propõe mostrar aos gritos em duelos, que convoca unilateralmente para directos na TVI, e em manifestações de auto-apoio no largo do caldas. Um conhecido frequentador de telejornais com fotografias na mão e munido de documentos, supostas provas que ninguém teve hipótese de ler, qual aprendiz de Vale e Azevedo feito ministro de Estado. Um conhecido especialista em sondagens, talento que praticou abundantemente e com grande proveito. Um conhecido defensor dos pobres, dos espoliados e dos oprimidos, que aliás está farto de defender (se acabassem, o que seria dele?). Um conhecido patrono dos ex-combatentes, que defende agora com tanto empenho como nas campanhas eleitorais. A este respeito, aliás, como noutros, um conhecido pagador de promessas. Um conhecido defensor da moral, dos bons costumes e da família. Um conhecido vigilante implacável da ética e da transparência na política e no exercício do poder. Conhecido pela sua coerência, bem demonstrada pela forma como pratica agora, como político, a ética espartana que pregou durante anos (para os outros) de caneta em punho, em editoriais inflamados. Um conhecido candidato de mangas arregaçadas que ia ficar na câmara de Lisboa (pelo menos nos três meses seguintes às eleições). Um conhecido amigo e promotor político do dr. Monteiro, contra o qual nunca conspirou e que nunca atraiçoou. Um conhecido amigo de longa data e aliado político do dr. Marcelo que foi para a televisão, obviamente com as melhores intenções, tentar salvar em desespero uma coligação com a qual estava firmemente comprometido. Um conhecido e fervoroso anti-europeísta, que até se tornou de um dia para o outro "euro-calmo" (?) e vai concorrer a umas eleições europeias coligado a um partido fervorosamente europeísta. Um conhecido expoente da poesia popular contemporânea, que exercita abundantemente nas rimas que declama com autoridade à frente das câmaras e que utiliza para substituir, com inegável vantagem, o suposto conteúdo das suas intervenções.

Como currículo, aqui em versão resumida, não está nada mal. O dr. Portas é conhecido por tanta coisa que seguramente todos nos lembraríamos de mais algumas. No meio disto tudo, é pena mas é compreensível que por vezes a parte do católico seja, quem sabe injustamente, esquecida e que provoque até alguns sorrisos. É que no fundo, no fundo, já todos sabemos do que a casa gasta. MC



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