quinta-feira, julho 29
Um Verão quase, quase perfeito
Acabou o campeonato. Começou o europeu. Acabou o europeu. Começou a copa América. Acabou a Copa América. O defeso durou uma semana. Logo a seguir, começou a pré-época. Começou o vaivém das transferências (e respectivas réplicas) todos os dias e os infindáveis jogos de Nyon a Ayamonte, com passagem obrigatória pela catedral. Vem aí a Liga dos Campeões. Isto devia ser sempre assim. Um Verão quase, quase perfeito. - MC
A cura (parte III) - incursão nocturna em Vilar de Mouros
Com a garantia de uma romaria de fiéis, os Cure têm-se revelado um investimento certo para os cartazes de festivais de Verão. Não admira por isso que nos últimos dez anos, e apesar da escassez de produção, tenham estado quatro vezes (!) em Portugal nesse formato, muitas vezes pouco estimulante. Depois do concerto em Alvalade em 1989, regressaram em 1995 (SuperBock SuperRock), 1998 e 2002 (Sudoeste), e agora em 2004 (Vilar de Mouros). E se 2002 os apanhou na preparação para o dvd trilogy (2003), em ambiente sonoro denso e impenetrável, que terá agradado apenas aos mais conhecedores e aos admiradores da face mais negra do grupo, e 1998 os apanhou na mais íngreme curva descendente, este ano, munidos de do tal álbum de originais que lhes devolveu alguma notoriedade, tudo foi diferente. Alinhamento bem conseguido, público a responder, um concerto confiante (tirando as crónicas, e irreparáveis, deficiências técnicas de um baterista que tem dez anos de grupo), numa cadência infatigável (só à beira do fim Smith dirigiu escassas palavras ao público) a percorrer para a frente e para trás o património de toda uma carreira.
Começando pelo seguro, com a abertura clássica de plainsong (primeira faixa de disintegration), a noite foi vagueando por entre várias músicas do novo álbum e um desfile (quase) ininterrupto de bons momentos retirados de fases muito diversas. De memória, 10.15 saturday night e boys don't cry (boys don't cry, 1979), m e play for today (seventeen seconds, 1980), strange day, one hundred years e a forest (pornography, 1982), lovecats (Japanese whispers, 1983), inbetween days, a night like this e close to me (the head on the door, 1985), just like heaven e why can't I be you (kiss me kiss me kiss me, 1987), plainsong, pictures of you, lovesong e fascination street (disintegration,1989), friday I'm in love e from the edge of the deep green sea (wish, 1992), maybe someday (bloodflowers, 2000), foram algumas das eleitas.
Contas feitas, dos cerca de quinze álbuns de originais, só o medíocre wild mood swings (1996), o exótico the top (1984) e o desolado faith (1981) não fizeram parte do concerto (sendo que, no último caso, vários concertos desta digressão têm encerrado justamente com a faixa que dá nome ao álbum, o que infelizmente não aconteceu em Portugal). No meio disto tudo, ainda houve lugar para ausências inesperadas, como o aracnofóbico êxito lullaby (1989), ou clássicos como let's go to bed e the walk (1983), mas em duas horas e meia de um concerto muito festivaleiro (ou seja, adequado à ocasião) não cabia muito mais. Voltem sempre. - MC
A cura (parte II) - quatro anos depois, o álbum
Depois dos anos iniciais de actividade frenética, os The Cure alargaram os tempos e foram-nos (des)habituando a um ciclo de produção cada vez mais espaçado, com um álbum de originais a cada quatro anos e oscilações de qualidade significativas: disintegration (1989), wish (1992), wild mood swings (1996), bloodflowers (2000), e o recém-editado the cure (2004) - disco homónimo cujo título não deixa de ser, vinte e cinco anos de carreira depois, enigmático.
"I can't find myself". A frase repetidamente murmurada por Robert Smith na abertura de lost, primeira faixa do álbum, é desde logo uma declaração de princípios e uma razão suficiente para continuar a escrever música, mesmo que as razões para esse desencontro sejam álbum após álbum basicamente as mesmas, num labirinto de coordenadas há muito estabelecidas: desconforto identitário e descontinuidades pessoais, estranheza e pessimismo face a um mundo profundamente autocentrado, ironia, histeria e depressão como faces da mesma moeda, dependência-desconfiança em relação ao outro, medo do desconhecido e aversão à mudança associadas à mitificação sistemática do passado.
Ao longo de the cure, estes temas e obsessões pessoais, tão familiares, são basicamente os mesmos, e omnipresentes. Não é por isso de admirar que se encontrem no álbum referências numerosas a outros momentos do percurso da banda - seja nas letras, seja do ponto de vista formal ou das sonoridades. Às vezes, de maneira tão explícita que só pode ser propositada (a linha melódica de in your house (1981), descaradamente plagiada em alt.end; fragmentos e ressonâncias de letras diversas em copy-paste abundante).
Perspectivado no longo prazo da carreira do grupo, the cure fecha um ciclo de três álbuns com paralelos mais ou menos evidentes com os três anteriores. Tal como wild mood swings (1996) invocara o espírito disperso e criativo de kiss me kiss me kiss me (1987), assassinando-o de caminho na mediocridade do resultado, e bloodflowers (2000) tentou recuperar o ambiente de disintegration (1989), como sublinhado no dvd trilogy (pornography-disintegration-bloodflowers ao vivo), the cure recria o som rugoso e fortemente baseado nas guitarras de wish (1992), mas de maneira menos "limpa" em estúdio, mais inquieta, mais experimental. De alguma forma, é como se the cure viesse fechar um ciclo longo de quinze anos, com um resultado razoavelmente coerente e com canções razoáveis - sucedendo a um álbum desequilibrado de más canções (wild mood swings) e a um bom álbum muito homogéneo, que apagava a individualidade de cada tema (bloodflowers).
Do ponto de vista da novidade, tão cara à indústria, the cure apresenta ainda assim pistas escassas. Ao mesmo tempo, porém, há um novo ciclo que se abre: a mudança de editora para a multinacional Geffen (depois do abandono da mítica Fiction Records), um novo co-produtor (Ross Robinson - Korn, entre outros) que acaba com o obsessivo controle de Smith sobre o processo criativo, e os novos métodos de trabalho que daí resultaram, ajudam a explicar (e a adivinhar) algumas das novas direcções exploradas (ou entreabertas).
Talvez daqui por três ou quatro anos haja cenas dos próximos capítulos. Talvez. - MC
A cura (parte I) - remexer no fundo do baú
Quando os grupos entram na inevitável decadência criativa, a tentação de explorar filões de produção secundários torna-se forte. Este é o espírito da caixa Join the Dots - B-Sides and Rarities 1978-2001, que reúne o essencial da produção dos The Cure não incluída em álbuns. Todos os lados b de singles, contribuições para bandas sonoras de filmes (judge dredd, x files, the crow), versões de outros autores (purple haze de Jimi Hendrix, hello I love you dos Doors, young americans de David Bowie, world in my eyes dos Depeche Mode), bem como canções ou versões até agora não editadas. E ainda um livro profusamente acompanhado de fotografias que, em discurso não raras vezes auto-elogioso, explica a história de cada uma das 70 faixas.
Lançada no mercado há uns meses como aperitivo para um novo álbum de originais, é preciso que se diga que mesmo na lógica irritante do nicho de mercado de "coleccionadores" de raridades de interesse sempre discutível, há opções de casting incompreensíveis. Como as de incluir material disponível em álbuns (10:15 saturday night, por exemplo, ou a totalidade de japanese whispers (1983), que pode ser adquirido em qualquer fnac) e numerosas remisturas pouco diferentes das versões já comercializadas; ao mesmo tempo que foram excluídas verdadeiras raridades da discografia oficial da banda, como o ep lost wishes (1991), retirado das sessões do álbum wish, a banda sonora do filme carnage visors (1981), já para não falar dos primórdios (os tempos dos easy cure) ou de projectos paralelos como os the glove.
Assim sendo, Join the Dots vale sobretudo pelas pequenas pérolas à espera da descoberta; e por estarmos, como quase sempre acontece nas compilações de raridades, perante uma boa base para traçar a "outra história" das bandas em causa - a história das tentativas fracassadas, dos caminhos abandonados, os restos que não couberam, aquilo que vai sendo deixado para trás.
Como seria de esperar, este outro lado reflecte os altos e baixos da história mais oficial: um primeiro cd (período 1978-1987) muito diverso e experimental; segundo e terceiro cds (que retratam a década entre 1987 e 1996) com material de consistência suficiente para figurar em álbuns de originais, revelando que em momentos significativos deste período o lastro criativo permitiu deixar de fora canções com qualidade muito próxima daquelas que efectivamente fizeram a discografia dos Cure; e, por fim, um cd bem menos interessante (1996-2001), amálgama indistinta de canções sofríveis, à semelhança do trajecto criativo mais divulgado.
Depois, sobram as músicas, várias, a merecer pelo menos uma oportunidade de audição. E alguns momentos próximos da preciosidade: o vibrante the exploding boy (1985, lado b de inbetween days); this twillight garden (1992, lado b de high); ou a remix inédita de Paul Oakenfold para out of this world (2000), citando apenas uma selecção pessoal. Para ajudar a desarrumar este pequeno monstro da prateleira. - MC
Lições da Indonésia
"Votei nele porque prometeu pouco. Os outros prometiam educação gratuita e muitas outras coisas. Ele só prometeu melhorar um pouco as coisas na Indonésia." Ele é Susilo Bambang Yudhoyono, popularmente conhecido por S. B. Y., o mais votado dos cinco candidatos que se apresentaram à primeira volta das eleições presidenciais indonésias e foi deste modo que uma empregada de restaurante, com simplicidade e simpatia, mas, também, com uma maturidade típica dos balineses, me explicou o sentido do seu voto nas eleições de há vinte dias.
continue a ler aqui - PAS
quarta-feira, julho 28
O «núcleo duro»
A demissão de Ferro Rodrigues provocou as mais variadas reacções. Mas numa coisa todos estão de acordo: Ferro estava «fechado» no Rato com um «núcleo duro de fiéis», o que terá prejudicado um envolvimento mais alargado dos «quadros» e da militância em geral. Esta crítica revela uma aparente ignorância acerca da forma como funcionam os partidos políticos nas democracias modernas. Houve um tempo em que os partidos eram organizações de massas, caracterizados pela burocratização das carreiras, mobilização da militância e articulação de interesses sociais. Em rigor, entre nós, apenas o PCP correspondeu a este modelo. O PS e o PSD sempre foram, no essencial, partidos de eleitores, marcados por uma forte dependência face ao Estado e por uma grande centralização do poder (e da gestão da informação) nas lideranças. Para o bem e para o mal (quanto a mim, mais para o mal do que para o bem), este é o modelo que domina hoje a organização de todos os partidos europeus de centro-esquerda e centro-direita. Soares, Cavaco, Guterres, Durão, Santana - todos têm ou tiveram os seus «núcleos duros». De facto, os «núcleos duros» são uma coisa muito desagradável, especialmente se não fizermos parte deles. - FN
terça-feira, julho 27
Afinal ficámos a perder
Confesso que não sou um grande conhecedor do sistema político europeu. Em todo o caso, sempre ouvi dizer que o presidente da comissão era uma espécie de árbitro que controlava as tentações nacionalistas dos comissários. Se bem percebi, com a eleição de José Manuel Barroso para presidente da comissão, em virtude da nossa dimensão populacional, perdemos o direito a ter um comissário. Ou seja, não só não ficámos a ganhar, como o mais provável é que tenhamos ficado a perder. - FN
segunda-feira, julho 26
Labyrinth
Say it's the same sun spinning in the same sky
Say it's the same stars streaming in the same night
Tell me it's the same world whirling through the same space
Tell me it's the same time tripping through the same day
So say it's the same house and nothing in the house has changed
Yeah say it's the same room and nothing in the room is strange
Oh tell me it's the same boy burning in the same bed
Tell me it's the same blood breaking in the same head
Say it's the same taste taking down the same kiss
Say it's the same you
Say it's the same you and it's always been like this
Say it's the same you
Say it's the same you and it always and forever is
Say it's the same you, Say it's the same you
Yeah tell me it's all the same
This is how it's always been
But if nothing has changed...
Then it must mean...
But the sun is cold - the sky is wrong
The stars are black - the night is gone
The world is still - the space is stopped
The time is out - the day is dropped
The house is dark - the room is scarred
The boy is stiff - the bed is hard
The blood is thick - the head is burst
The taste is dry - the kiss is thirst
And it's not the same you, It's not the same you
No it never was like this
It's not the same you, It's not the same you
And it never really is
It's not the same you, It's not the same you
Oh it's not the same
This isn't how it's always been
Everything has to have changed...
Or it's me...
The Cure in "The Cure" (2004) - MC
sexta-feira, julho 23
Saber escolher
A comunicação social, com a ajuda de alguns dirigentes do partido socialista, costuma separar o PS entre «ala esquerda» e «ala direita». Na verdade, a grande clivagem no PS, como de resto noutros partidos, não é tanto entre «esquerda» e «direita», mas entre renovação e ortodoxia - entendidas aqui no sentido ideológico, mas principalmente no sentido organizativo. Uma clivagem entre formas de fazer política próprias do século XIX e a defesa da qualidade da democracia interna. É por isso que, em torno da candidatura de Manuel Alegre, vemos representadas diferentes esquerdas.
Admito que a entrevista à RTP de José Sócrates revelou, aqui e ali, uma certa fragilidade intelectual, mas não o considero um «Santana da esquerda» nem tenho paciência para andar a ver «quem é mais à esquerda» ou «mais ético». Essa é a atitude típica dos puristas do Bloco que, perante um confronto Bush-Gore, preferiam dar gás ao candidato vegetariano. Contudo, do que se trata agora no PS não é apenas escolher um candidato a primeiro-ministro; trata-se também de optar por uma estratégia política. Nesta matéria, há três aspectos essenciais: a defesa da renovação das estruturas, a recusa do populismo e a diferenciação face à coligação de direita.
A revisão dos estatutos do PS abriu caminho a novas formas de fazer política (clubes, gabinete de estudos, etc.) e trouxe gente nova para a participação. Todas as inovações têm os seus efeitos perversos, mas foram dados primeiros passos que, perante as pressões das clientelas, podem ser rapidamente anulados. Em segundo lugar, o tão falado populismo. O populismo é definido, na própria declaração de princípios, como um dos «inimigos da democracia». Aqui não se pode transigir - por razões de substância e até de táctica política: não é certamente imitando os populistas que a esquerda democrática chega lá. Como se costuma dizer, entre o original e a cópia, os eleitores preferem o original. Finalmente, temos a questão da estratégia eleitoral. O PS tem hoje uma cultura de governo. Deve, sem dúvida, encontrar uma nova agenda política. No entanto, é ilusório pensar que apenas se chega ao poder reproduzindo o discurso e as práticas da coligação de direita. Não há temas tabu para o PS, mas as abordagens devem ser diferentes: se tudo é igual, para quê votar? Aliás, a campanha das europeias, liderada por Sousa Franco e Ferro Rodrigues, mostrou bem que é possível ganhar o centro sem ceder ao populismo e ao bloco central.
Não duvido que pessoas como José Sócrates ou António Costa, à partida, até subscrevam este diagnóstico. A questão é que, num momento de clarificação como este, a necessidade desta estratégia só se tornará visível através do voto numa candidatura que não esteja exclusivamente centrada na lógica do poder. É por isso que vou votar na moção e na candidatura de Manuel Alegre. - FN
A terceira via
Os jornais e o barnabé gostam de dividir o PS entre uma «ala direita» e uma «ala esquerda». Situando-me no centro-esquerda, pode dizer-se que pertenço à «ala direita». «Como é que tu, uma gajo da esquerda liberal, estás a apoiar a candidatura do Manuel Alegre?», perguntam-me alguns amigos. Ao contrário do que possa parecer, esta é a opção ideologicamente mais coerente para «um gajo da esquerda liberal» como eu. É que a moção de José Sócrates está a ser escrita por Sérgio Sousa Pinto («ala esquerda»), ao passo que a de Manuel Alegre vai ser coordenada por Augusto Santos Silva («ala direita»). - FN
quinta-feira, julho 15
António Esteves Martins
Durante o Europeu de futebol, as conferências de imprensa da selecção foram um festival de propaganda. Paulo Catarro, Nuno Luz (e outros) aplaudiam os jogadores, riam-se com a boçalidade de Scolari, davam os parabéns à equipa, etc. Naquelas semanas, não houve verdadeira liberdade de imprensa. Sobre isso, o João Pedro Henriques já disse tudo. Em todo o caso, a cobertura de um campeonato internacional de futebol dura um mês e acontece, na melhor das hipóteses, de dois em dois anos. Já as reportagens sobre as reuniões no âmbito da União Europeia são praticamente diárias. Especialmente agora que o dr. Durão se transformou em José Manuel Barroso. É certo que quase todos os correspondentes das televisões em Bruxelas caem no provincianismo, mas o serviçal António Esteves Martins ultrapassa todos os limites. Ontem, a propósito do debate de Barroso com os eurodeputados socialistas, Esteves Martins notou que o candidato José Manuel «esteve particularmente feliz, vestindo já a pele de presidente da Comissão». As perguntas ao candidato Barroso eram vistas por Esteves Martins como «provocações». As pérolas foram várias. Quando estão nas instituições democráticas portuguesas, «os políticos» são apresentados como «uns malandros que se andam a encher»; quando estão «lá fora a representar-nos» são uns heróis nacionais. Estranhamente, ainda há quem se surpreenda com a decisão de António Vitorino. - FN
quarta-feira, julho 14
O santanismo
Segundo um amigo, «o Pedro [Santana Lopes] é um animal político que precisa de se rodear de fidelidades e homens de confiança». A revista do Expresso (último sábado) foi investigar quem são esses homens (e essas mulheres). Com pastas ou na sombra, a partir de agora, são eles que mandam no país.
No grupo dos «independentes estruturais» (também os há conjunturais), destaca-se o gestor António Mexia. «António Mexia é hoje um ministeriável», escreve a jornalista. «Ministeriáveis» são, portanto, todos aqueles que acham que o ordenado de ministro não chega para os charutos. Mexia tem uma filosofia de vida muito peculiar: «ser suficiente é horrível». De facto, para se ser santanista, não basta ser «suficiente», é preciso ser-se mesmo muito mau. A prova disso é que Rui Gomes da Silva é apresentado pelo Expresso como «uma mais valia em termos de massa crítica». No entanto, seria injusto não reconhecer que Manuel Falcão e Henrique Chaves também acrescentam algo ao grupo. Sobre o primeiro, o Expresso diz tudo: «Manuel Falcão escreveu editoriais muito críticos da política do audiovisual. Santana, então Secretário de Estado, chamou-o para lhe ouvir os conselhos e acabou por convidá-lo para dirigir o Instituto do Cinema. Mais tarde, Falcão foi seu chefe de gabinete.» Sobre Henrique Chaves, há quem diga que vai para Ministro Adjunto, o que não pode constituir surpresa, já que foi precisamente essa a função que desempenhou no programa televisivo, Cadeira do Poder.
Respeitando a organização do suplemento, segue-se Manuel Pinto Coelho, o amigo médico. Pinto Coelho trocou o tratamento da toxicodependência pelo tratamento da calvície. «Estou um Beatle», confessou depois de se ter submetido a um implante capilar. Está-se mesmo a ver quem vai ser a próxima cobaia. Quem ainda não deve ter passado pela clínica é o autarca José Raul dos Santos (seja bem aparecido!). A avaliar pelo aspecto, recorreu ao método Fernando Gomes. Ao congresso de Santa Maria da Feira, Raul dos Santos levou «um repositório de ideias», do qual o Expresso destaca a seguinte: «Pedro Santana Lopes é o único político capaz de vestir o fato».
Nos santanistas de hoje, há «mendistas» e «barrosistas» de ontem. É o caso de Pedro Pinto. Segundo o Expresso, «a fase mendista de Pedro Pinto teve início em 1995». Todos passamos por fases complicadas na vida. Por outro lado, a fazer a ponte com o «barrosismo», temos Helena Lopes da Costa, vereadora da câmara de Lisboa. A fotografia da revista mostra-nos uma tia da Costa da Caparica (sem ofensa para o "people" da Costa); mas o texto revela-nos uma teórica do fim das ideologias: «Esses ismos já acabaram. Hoje estamos todos juntos na mesma equipa».
Finalmente, falemos dos assessores. Sobre Rui Calafate, não há muito a dizer (a não ser que, tal como Miguel Almeida, é um sósia de Santana). Mais interessante parece ser o perfil de José Paulo Fafe, conhecido como «o homem que ajuda a abrir portas» - o chamado porteiro. Não se sabe de que discoteca foi porteiro. Sabe-se apenas que é «um exímio imitador de vozes» e que «foi preso numa discoteca em Lisboa». Provavelmente, porque estava a imitar Santana Lopes.- FN
terça-feira, julho 13
Atrás de mim virá quem de mim bom fará
Artur Jorge sai do CSKA de Moscovo e é substituído pelo seu antecessor no CSKA de Moscovo. - RB
O que é bom para Lisboa é mau para Portugal
O dr. Lopes deu ontem a sua primeira entrevista na qualidade de líder do PSD (com Judite de Sousa foi um tempo de antena). Ricardo Costa questionou-o sobre o seu trabalho enquanto autarca da capital. A resposta veio em tom de ameaça: «Muitos dos bloqueios à Câmara de Lisboa vão deixar de existir com a minha saída». - FN
Considerações leves sobre o «liberalismo» (IV)
O Dr. Miguel Veiga é uma das personagens mais fascinantes da vida política portuguesa. Há ali qualquer coisa de anacrónico. Ainda há poucos dias, defendia (sem se rir e sem recurso a eleições) a solução António Borges para primeiro-ministro. Segundo o Público, ontem, no conselho nacional do PSD, o Dr. Veiga disse que o que o divide do Dr. Lopes são «as suas visões demasiado liberais». Tudo indica que não sabe o que significa o liberalismo (tanto no sentido económico como político) e que ainda não percebeu o que representa o Dr. Lopes. Não sei se era esta a garantia que o Dr. Miguel Veiga pretendia, mas pode ficar descansado: com este primeiro-ministro não vai faltar «política social». - FN
segunda-feira, julho 12
As garantiazinhas
O «choque fiscal», prometido por Durão Barroso na campanha, mas nunca posto em prática nos dois anos de governo, é ou não uma «mudança radical» de política? Imagino que a resposta seja «sim»; todavia, é cumprir o programa de governo. Em que ficamos?
As garantias de continuidade nas políticas exigidas por Jorge Sampaio não têm qualquer conteúdo político substantivo e não são sindicalizáveis. A ninguém obrigam de forma efectiva e específica (como se exigiria), a não ser o próprio Presidente. Para Santana, são de cumprimento meramente retórico, fácil porque não substantivo. Ou Sampaio vai dissolver daqui a meses dizendo: «Meus Senhores, desculpem lá mas, ao contrário do que se previa, enganei-me»?
Com esta conversa das garantias, Sampaio amarrou-se de pés e mãos ao governo. Com esta decisão, Sampaio vê o seu espaço de liberdade diminuído e não aumentado. Com esta decisão, Sampaio agrafou a sua carreira política ao futuro de um governo que é a antítese ponto por ponto do percurso que o próprio Sampaio simboliza. Com esta infeliz decisão, Sampaio chamou ineptos aos eleitores de esquerda que o elegeram presidente. Ao fazê-lo, chamou inepto a si próprio. Foi a única coisa em que acertou. - RB
A entrevista de Santana Lopes
Quando o conteúdo é a forma, o problema reside nas perguntas. A entrevista de Pedro Santana Lopes à SIC teve como único conteúdo, para a SIC, ser um seu exclusivo, para Santana, o simples estar ali a falar sem dizer nada. A pose de estado, a nova maneira de falar, a ponderação em pessoa: traços, todos, todos, a fazer lembrar permanentemente a outra imagem que visam ocultar. Santana estava sempre a dizer que «sobre esse assunto não me pronuncio, tenho de manter reserva porque devo falar antes com o Senhor Presidente». Claro que não mantinha reserva de nada, porque daí a bocadinho lá estava a entrar nos ditos assuntos sobre os quais era suposto manter reserva. Mas então percebia-se que não tinha nada para dizer. Nunca nada de concreto, a não ser as tolices sobre o número e localização dos ministérios. Nada de verdadeiramente novo, portanto. - RB
Considerações leves sobre o «liberalismo» (III)
Uma das possíveis justificações para o reduzido número de liberais em Portugal é a ausência de literatura sobre o assunto em português. Recorrer aos originais em língua inglesa para recrutar membros para a «causa» torna-se uma missão quase tão difícil como convencer um daltónico a torcer pelo Benfica. Mais ainda se os textos forem de Ann Coulter, onde uma em cada dez frases é: «It's all liberals' fault». - JHJ
Considerações leves sobre o «liberalismo» (II)
Aparentemente, uma das autoras preferidas dos liberais portugueses é Ann Coulter. Em Slander, talvez o mais lido dos seus livros, a autora defende a tese que a esquerda norte-americana faz uso da sua presença nos media para difundir uma série de mentiras sobre os conservadores. Na página 21 (Three Rivers Press, New York, 2002), a coisa parece tornar-se pessoal: «More than any of their other hate speech, the left's attacks on [right-wing] women for being ugly tell you everything». - JHJ
Considerações leves sobre o «liberalismo» (I)
Segundo os próprios, em Portugal não há mais do que 13 ou 14 liberais. Tendo em conta o natural exagero de quem conta os seus, os liberais portugueses não serão, de facto, mais do que 10 ou 11. Num universo de dez milhões potenciais clientes, é caso para se dizer que o «liberalismo» está longe de poder ser considerado um produto atractivo no mercado nacional das filosofias políticas. - JHJ
Soprar no balão
A minha simpatia política pelo Dr. Sampaio foi crescendo à medida que me encontrava com o Pedro Adão e Silva e o Nuno Costa Santos no bar da primeira candidatura, chamado Espaço Mais. Em certo sentido, cheguei ao «sampaísmo» pela via dos copos. Era jovem, tudo era possível. Sabendo o que sei hoje, acho que - mais do que introduzir o voto electrónico - era importante consagrar na lei a obrigatoriedade de os eleitores soprarem no balão antes de exercerem o direito de voto. - FN
sexta-feira, julho 9
Imaturidade
A decisão de Jorge Sampaio faz-me lembrar aqueles alunos que recorrem exageradamente aos formalismos ignorando por completo a intuição. - JHJ
Luís Filipe Menezes, no momento em que entregava as chaves das novas casas aos munícipes:
«É inadmissível o tempo que se leva para substituir um governo em Portugal. O mundo avança, e nós andamos aqui a brincar às casinhas.» -FN
Ao contrário de certas e determinadas situações...
«Não me verão seguramente a integrar a próxima solução governativa. Vou honrar este compromisso com a cidade do Porto»
Rui Rio, na cerimónia de inauguração oficial do novo Hotel Sheraton. - FN
quinta-feira, julho 8
O «novo futebol português»
De vez em quando, aparecem uns optimistas que, perante alguns acontecimentos, acreditam que tudo vai mudar no futebol português. Foi assim com a morte de Feher. Voltou a ser assim com o Euro 2004. Felizmente, existe um programa de televisão, chamado Dia Seguinte, que todas as semanas nos faz descer à terra:
Dias Ferreira - O presidente do Nacional da Madeira não cumpriu a palavra dada ao Sporting.
Guilherme Aguiar - Essa coisa da palavra...
Dias Ferreira - Essa «coisa» da palavra?! O meu pai ensinou-me que é uma coisa importante.
Guilherme Aguiar - Então porque é que não lhe deu importância no caso Toñito?
Dias Ferreira - Não me fale no caso Toñito. Pelo menos não fui comido pelo sistema. Lembro-me bem como é que esse contrato foi assinado. Olhe, só lhe digo que foi preciso muito «escocês»... - FN
Spin doctor give me the news, I've got a bad case of ballot blues
Caro JV,
Tendo em conta o descalabro da intervenção de Portas à saída de Belém (ir dar lições ao Presidente sobre o que ele devia pensar com base numa versão truncada dos seus discursos) e dos tiros no pé de Santana quando foi à Judite (aquela das crianças não terem que levar com a cara dele e de Ferro na campanha também é de antologia) eu acho que os seus talentos de argumentação estão a ser claramente desperdiçados comigo. Alguém devia estar a pensar, a assessorar, a escrever os discursos, eu sei lá, de Portas e de Santana neste momento difícil.
Só mais uma coisa. Era mesmo preciso o Portas mudar por completo de vestuário, tipo Britney Spears, entre a reunião da tarde entre os grupos parlamentares do PPD/PSD e do CDS-PP e a reunião com o Presidente? Porque não beneficiar os senhores deputados com o avistamento do fato das risquinhas e do lencinho logo pela tardinha? Sendo esta última vestimenta obnóxia e irritante, não será isso contraproducente tendo em vista a reunião com o Presidente? Parece que não era, parece que era mesmo essa a ideia. Bom, boa sorte e vemo-nos por aí a colar cartazes.
Um abraço democrático. - RB
quarta-feira, julho 7
Y'all (lê-se ióle) *
Ninguém - ou muito pouca gente - vota no candidato a vice-presidente, mas John Edwards é uma mais valia para o partido democrata norte-americano na campanha que se aproxima. Não tendo nunca ocupado um cargo público antes de ter sido eleito senador da Carolina do Norte em 1998, o «milionário-de-origens-humildes» é o pesadelo dos estrategas de campanha do partido republicano. Habituados que estão a escrutinar cirurgicamente os «registos de voto» dos candidatos, os homens do presidente-de-guerra parecem ter ficado à toa com o anúncio da escolha de Edwards como parceiro de corrida de Kerry. É verdade que com o extenso e contraditório registo do cabeça de cartaz de Massachusetts, o GOP já tem material suficiente para produzir dezenas de anúncios políticos até Novembro. Mas ter muito pouco ou quase nada para dizer no dia em que o partido da oposição anuncia o candidato a vice-presidente, é de envergonhar qualquer director de (contra-)campanha. Ontem, de facto, só deu John Edwards.
A coisa foi tão descuidada, que o tablóide «New York Post» - do milionário Rupert Murdoch, o mesmo da cadeia de televisão Fox -, tentando antecipar-se, anunciava na primeira página que o escolhido teria sido o congressista do Missouri, Dick Gephardt. Gafe maior, só quando o «Chicago Daily Tribune» se antecipou às réguas de cálculo e titulou na edição matutina a seguir às eleições presidenciais de 1948 que o vencedor tinha sido o republicano Thomas Dewey.
Mas a importância da escolha de Edwards vai para além da sua «inexistência» enquanto alvo de ataque político. Sendo senador do sul, pode não só conduzir o partido democrata a vencer as eleições presidencias em alguns desses estados, como provocar um sério «boost» nas candidaturas do partido democrata em algumas das corridas para o Senado que aí se vão realizar. Louisiana, Arkansas, Tennessee, Virginia e Carolina do Norte voltam a estar no mapa eleitoral de Novembro. No presidencial e no do Congresso. De relevância puramente histórica, não deixa de ser interessante referir que nenhum presidente do partido democrata a seguir à segunda guerra mundial foi eleito sem ter ganho as eleições em pelo menos metade dos estados do «Deep South» (Truman'48, Kennedy'60, Johnson'64, Carter'76, Clinton'92 e Clinton'96).
O último Censos norte-americano mostra que o sul ganhou população relativamente ao midwest e ao nordeste norte-americano, ou seja, ganhou eleitores e representantes no «maldito» colégio eleitoral. Um único «grande-eleitor» pode fazer a diferença. E para aqueles que pensavam que o partido democrata deveria ter investido no economicamente deprimido midwest - que é o mesmo que dizer ter seguido a dica matinal do «New York Post» -, a resposta foi cuidadosa e atenta. Hoje, arranca a pré-campanha da candidatura Kerry-Edwards'04. E arranca em Ohio, o estado do midwest que muitos analistas consideram «too close to call» e um dos mais importantes campos de batalha em Novembro. Ao contrário do Pedro Oliveira, não considero que o «ticket» republicano reúna uma dupla assim tão imbatível. Mesmo com Satanás no lugar de Cheney. - JHJ
(*) Expressão típica do sul dos Estados Unidos que redundantemente significa «vocês todos».
Questão
Não sei que mistério te envolve e faz com que
as flores se dobrem quando passas,
caminhando para baixo
para dentro,
não sei porque se afastam as nuvens
quando olhas,
porque correm os rios à altura das tuas ancas,
e uma estranha música de flautas parece
crescer da erva e dos teus pés,
nos prados invisíveis onde vinham beber os animais antigos.
Não sei por que se fecharam todos os portos,
todas as páginas dos livros de sal,
por que lançaram âncora os silenciosos navios
da tua infância,
por que te deitaste no perfumado altar da minha mágoa,
trémula e doce, abrindo as fendas da tua sede,
da tua solidão.
José Agostinho Baptista, Anjos Caídos. - RB
Naufrágio
Os pensamentos que pensamos e as histórias que sobre nós e os outros a partir deles fazemos são barcos de papel, embarcações de palavras muito bem dobradas a partir de uma folha em branco. O barco flutua por um instante no lago das palavras. Todavia, a água reclama o barco para si, molhando-o, empapando-o, por fim dissolvendo o papel. A água nada faz - é água - está ali. É da natureza dos barcos naufragarem, pois não são diferentes da água. - RB
terça-feira, julho 6
Um número de focas
Santana Lopes e Paulo Portas reuniram-se hoje com os grupos parlamentares do PSD e do CDS. No final do encontro, uma jornalista colocou uma pergunta oportuna ao novo líder do PSD: «Dr. Santana Lopes, se não ouviu a opinião dos deputados, uma vez que só falou quem estava na mesa, como é que garante que tem o apoio da maioria?». A resposta de Santana diz muito sobre si e sobre o estado a que chegou a direita: «Tenho a certeza que a senhora ouviu os aplausos no final da minha intervenção.» - FN
O Don Juan de Lisboa
O Daniel Oliveira tem razão. Santana Lopes tinha a lição bem estudada. A última vez que isto aconteceu foi no debate das autárquicas, que acabou como acabou. Confesso que fiquei apreensivo com a performance do «Don Juan de Lisboa» na RTP. O que me deixou mais optimista foi a reacção das pessoas hoje. Especialmente das mulheres. À falta de sondagens pré-eleitorais, contento-me com as palavras de uma antiga eleitora de Santana: «para presidente da câmara tudo bem, mas primeiro-ministro...não sei.» É a versão política da velha máxima «para namorar sim, mas para casar...».- FN
Três explicações não mutuamente exclusivas
Há três explicações possíveis e não mutuamente exclusivas para não termos ganho o jogo com a Grécia.
Factor sorte - Embora difícil de acreditar, a gravata da sorte do primeiro-ministro grego era mais pirosa do que a do primeiro-ministro demissionário português. Se Paulo Portas tivesse publicamente afirmado que a camisa cor-de-rosa era a sua camisa da sorte, teríamos sido campeões por falta de comparência do adversário.
Factor casa - Durante a meia hora que passou entre a saída do Miguel e a entrada do Nuno Gomes, havia um único jogador em campo habituado a jogar no relvado da Luz: Fyssas, defesa esquerdo do Benfica e da selecção grega. Durante esse período aconteceu o golo da Grécia. Se o jogo tivesse sido em Alvalade, o factor casa jogaria claramente a nosso favor. O «Dragão» não conta porque não é nome de estádio. A prová-lo está o facto de aí termos perdido o primeiro jogo embora metade da equipa fosse do Porto.
Factor cósmico - Há um princípio em cosmologia de nome «antrópico» que diz que o universo que habitamos é possível porque é aquele que permite a existência da nossa espécie. Portugal não é campeão por um reasoning semelhante. No dia a seguir à vitória sobre a Holanda, o jornal Público titulava «Histórico» na primeira página. Nas horas que antecederam o jogo da final, os portugueses fizeram cordões humanos e quase bloquearam a ponte Vasco da Gama. Uns amigos relataram-me que nessa manhã, a caminho do Algarve, viram vacas pintadas de vermelho, verde e amarelo (não garanto que não tivessem abusado de substâncias ilícitas). Cosmicamente, Portugal não poderia ser campeão. De facto, a adjectivação e a intensidade dos festejos já estavam esgotadas quando o jogo começou na Luz. Nada havia a fazer. Não havia mais títulos disponíveis para o jornal Público, mais pontes para bloquear, ou mais vacas para pintar. Tavez na Grécia ainda sobrassem algumas. - JHJ
De outro tamanho
Se um dia me perguntarem qual a definição de «grande, enorme, gigante», respondo com o que li num guia de pesquisa rápida sobre animais marinhos: «A língua de uma baleia azul é do tamanho e peso de um elefante adulto africano e o seu coração tem um volume igual ao de um Volkswagen carocha». - JHJ
Coach K
Enquanto a Europa esperava serenamente pelo apito final do Portugal-Grécia para conhecer o vencedor do EURO'04 - a Europa toda não; num cantinho à beira mar plantado havia quem confiasse demasiado em gravatas pirosas -, os Estados Unidos viviam suspensos na possibilidade de o treinador da equipa de basketball da Universidade de Duke se tornar o novo treinador principal dos Los Angeles Lakers. What the fuck!? Terei lido bem? - exclama e pergunta o/a leitor(a). O treinador de uma equipa de basketball universitário foi considerado pelos todos poderosos de Hollywood para treinar os todos poderosos Lakers onde jogam os todos poderosos Shaquille O'Neal e Kobe Bryant? - Insiste o leitor mais céptico.
Mike Krzyzewski - «Coach K» para os fãs do maior desporto do mundo, o college basketball - tem sido o treinador da Universidade de Duke ao longo dos últimos 24 anos, competindo em longevidade com a permanência de Humberto Coelho no Benfica. Durante a sua estadia em Durham, na Carolina do Norte, ganhou vários títulos regionais na mais competitiva liga universitária - a ACC - e três títulos nacionais, transformando a universidade fundada com dinheiro do tabaco na maior potência actual do basketball universitário norte-americano.
Ao acenar com um contrato válido por cinco anos no valor de 40 milhões de dólares, e com Kobe Bryant a pressionar Krzyzewski, os dirigentes da equipa da cidade que não tem lagos esperavam que «Coach K» passasse a ser conhecido por «Coach H» (de Hollywood), e que este os ajudaria a recuperar de uma época que não tendo sido desportivamente desastrosa foi muito negativa na difusão da imagem que a instituição pretende representar (o caso do julgamento de Kobe é o mais visível). Mas tal como alguns adivinharam, Mike Krzyzewski disse que não. Que Duke era a casa dele. Que o contracto vitalício que assinara três anos antes, embora simbólico, induzia nos actuais e antigos alunos, nos funcionários e nos professores da universidade uma expectativa de continuidade. Que o que lhe dava gozo era treinar jovens estudantes. Que a qualidade de vida no Triangle é mais agradável do que em Los Angeles - o que é uma evidência. E que o novo presidente de Duke é um bacano. Esta foi uma grande lição vinda de um gajo que aprendi a detestar ao longo dos últimos quatro anos, ou não treinasse ele a equipa rival na terceira maior rivalidade desportiva dos Estados Unidos. - JHJ
Bué-bué de longe de Shrek 1
O que eu gostei muitíssimo no primeiro Shrek foi da mistura entre a história infantil e a paródia culta sobre as histórias infantis. De caminho, eram os próprios rótulos «infantil» e «adulto» que ficavam feitos em pedaços. O segredo do sucesso do filme era o sábio equilíbrio da mistura, percebi-o agora. Shrek 2 é desequilibrado. O problema de Shrek 2 é o estar sempre a piscar o olho ao espectador, a puxar da referência e da piadola, a fazer o espectador sentir-se esperto - se percebeu tudo - ou burro - se não percebeu nada. Ou pior, se nem sequer percebeu a medida da sua ignorância. Isto é muito irritante num filme, por excessivamente cerebral. O primeiro Shrek usava a irrisão para iluminar melhor tanto as referências, como a própria fábula. Funcionava nos dois sentidos, e por isso riam crianças e adultos na plateia. No segundo, não. Só riem os adultos.
Eu gostava muito do lado mesmo-infantil do primeiro Shrek, e desta vez esse lado está mais ausente. Para além disso, no meio de tanta referência culta e «adulta», perdeu-se a história, a fábula. E eu não preciso ser criança para achar a história de Shrek 2 uma banhada. Se calhar, porque a narrativa é a única componente a não ter um meta-referente satisfatório. A história dos príncipes infelizes, ogres e verdes, em «Bué-Bué de Longe», ao contrário de quase todo o restante filme, fazendo lembrar muitas outras histórias, fica-se por isso mesmo: faz lembrar muitas outras histórias, e é só. Não se distingue, não ilumina. Não será referência «culta» de nenhum outro filme. Ao contrário, por exemplo, de ambos os «Kill Bill».
No fundo, a Shrek 2 aplica-se o que uma jovem estudante de Erasmus, depois de me ter perguntado o que é que eu fazia em Florença e de eu ter dito, estupidamente, «o doutoramento», me respondeu: «Ganda cromice!!!» - RB
segunda-feira, julho 5
No fuck-up without cleanup
Na minha opinião - e concordo com o Pedro Magalhães -, o argumento decisivo é o seguinte. Em democracia, é absolutamente crucial que a acção governativa seja escrutinizável na urna. Dito de outra forma: não podem existir períodos de governação que fiquem imunes ao juízo do eleitorado. Tal como não há taxation without representation, também não há governação que possa morrer solteira. A constituição de um novo governo de coligação liderado pelo dr. Santana Lopes introduz uma ruptura na acção governativa, deixando, para o futuro, o consulado do dr. Barroso não sindicalizado por qualquer acto eleitoral. Impune ponto final. Isto prejudica intoleravelmente a possibilidade do eleitor responsabilizar de forma efectiva o governo, um problema comum às ditaduras. A melhor forma de garantir que isso não acontece é a convocação de eleições antecipadas. - RB
Achas que vamos ter eleições antecipadas?
Depois de o Ivan ter revelado a minha presciência, toda a gente me pergunta a mesma coisa: «achas que vamos ter eleições antecipadas?». Eu, nestas coisas da previsão política, evito a escola Zandinga/Gabriel Alves. Prefiro o sofisticado método do mil folhas de Eduardo Prado Coelho (EPC). Em Junho de 2000, EPC percebeu que Manuel Maria Carrilho ia sair do governo porque este, recusando a ética ministerial do sacrifício, pediu um mil folhas como sobremesa. E perguntam-me vocês, mais uma vez: «Mestre Nunes, acha que vamos ter eleições antecipadas?» Seguindo o método EPC, acho que sim. Por uma razão muito simples. Sábado à noite cruzei-me com o Dr. Paulo Portas no cinema. Ele estava de calças encarnadas e em mangas de camisa. Ah, é verdade: e o filme começava com a tomada de posse do governo da Frente Popular, na França de 1936. - FN
sexta-feira, julho 2
Aprenda marketing com...
Uma destas manhãs aprendi, finalmente, o que significa o conceito de "marketing agressivo". Ainda mal acordado, sou sacudido por um tremendo anúncio radiofónico que me informa, imagine-se, que posso receber mensagens de voz do sr. Humberto Coelho no final de cada jogo do europeu com comentários aos jogos. Isto se aderir, de livre vontade e pagando (!), a um serviço qualquer da TMN.
Dizem-me que esta fantástica oportunidade já por aí andava há meses e meses, perdida algures na imensidão suspensa das ondas de rádio, e que só por distracção não soube meis cedo da sua existência. Na verdade, ainda gostava de saber quantos portugueses terão escolhido pagar para ouvir o Humberto Coelho a debitar opiniões junto ao ouvido, mas adiante. (Eu próprio ainda pondero experimentar pelo menos por uma vez, no jogo da final, este restrito privilégio).
Confesso que sempre me intrigou um pouco como é que a TMN, a menos privada das operadoras, conseguia ser líder de mercado, tendo a fama (que eu, suponho, fui confirmando) de ficar a perder em vários aspectos face à concorrência, e o estigma de "ser do Estado" - uma ilusão indestrutível. Agora, acho que entendi; e, como tantas vezes sucede, a capacidade de inovação deve ser decisiva. É que com uma campanha destes, evidentemente agressiva, a TMN está à beira da revolução paradigmática: mais um pequeno passo nesta escalada e a tmn "está lá", na pura violência que inaugurará uma nova era na história da publicidade, o marketing bélico. - MC
O que eu hoje devia fazer
O que eu hoje devia fazer era escrever sobre aquelas pessoas que fazem comentários ao que aqui escrevemos dizendo que deveríamos fazer isto ou aquilo, escrever sobre este tema em vez daquele, que devemos, porra, acordar deste sono irresponsável com que vamos comprometendo a revolução que, talvez por isso, tarda. Eu hoje devia perguntar-lhes se não percebem que há poucas coisas mais retintamente autoritárias do que estar de dedo em riste, sempre grávido de certezas, a mandar os outros fazer coisas e a policiar-lhes o pensamento. Eu hoje deveria fazer isso, mas tenho que ir ali ler a biografia do Marx do Francis Wheen. - RB
quinta-feira, julho 1
Os deuses devem estar loucos
A Grécia na final do campeonato da Europa de futebol e Pedro Santana Lopes presidente do PPD/PSD e candidato a primeiro-ministro. O melhor é não sair de casa nos próximos dias. Os deuses devem estar a preparar alguma. - JHJ
O efusivo relutante
Cheguei ao Marquês vindo da Barata Salgueiro tão genuinamente contente como qualquer pessoa. Mãos nos bolsos, assobiava com gosto «Scolari, oh oh, Scolari oh-oh-oh-o, Portugal já está na final». Ainda no Marquês, e de um momento para o outro, fiquei a ver de fora as coisas a acontecer, atento só ao absurdo - excluído. Como quando as lentes de uma câmara, ao fazerem o movimento rotativo para executar um zoom, criam um efeito de opacidade porque a lente tem dedadas e estas, de repente visíveis com a rotação, geram a sensação desconfortável de que está uma coisa com dedadas entre nós e o que estamos a ver. Quando cheguei ao Bairro Alto, era já um impotente dos afectos com uma imperial na mão. Caminhava molemente sozinho pela multidão. Em suma: um lamentável ser inferior. Não se percebe bem se o problema é o excesso de sociologia ou a falta de bebida. É muito triste acabar a noite no Largo Camões a gritar para um grupo de efusivos passantes: «Cant'outra música - allez - Cant'outra música - allez». - RB
O sociólogo do outro lado do espelho
Auguste Comte escreveu toda a vida à mesma escrivaninha. Sentado, em frente a um espelho. - RB
Código da estrada em dia de comemoração
Como é que se sabe a hora da madrugada a partir da qual uma buzinadela já voltou a ser o costumeiro e inequívoco «sai-me da frente, ganda palhaço»? - RB
Do sul da Europa, com amor
Cartaz afixado na porta de um serviço público em dia de jogo de Portugal: "Por motivos do conhecimento geral, a biblioteca encerra hoje às 18h". - MC
Estamos na final
Portugal chegou pela primeira vez à final de um campeonato de futebol. Durante os festejos, cruzei-me com alguns holandeses que falavam bastante da arbitragem: «um roubo» («robbens», como eles dizem). E ainda há quem defenda que ter um português na presidência da comissão europeia não serve para nada... - FN
This work is licensed under a Creative Commons License.