<$BlogRSDURL$> O País Relativo
O País Relativo
«País engravatado todo o ano e a assoar-se na gravata por engano» - A. O'Neill
domingo, outubro 31
 
Um bocadinho, mas cada vez menos
O dr. António Pires de Lima, depois de muitos anos de exposição a doses massivas de telenovelas brasileiras, queixa-se amargamente ao público: "Isto às vezes é um país que parece um bocadinho biruta" (sic). De facto, muita gente terá partilhado esta percepção (talvez não o vocabulário) em numerosas ocasiões ao longo dos últimos dois anos. E, em especial, nos últimos meses. Mas a julgar pelas sondagens pelo menos do último ano e meio, estamos claramente a melhorar. Mas claramente. - MC
 
Os cavalheiros já não se fazem como antigamente
Depois do "segurem-me-senão-eu-saio" que ainda durou uns dias, José Eduardo Moniz afinal fica na TVI. Aparentemente, terá chegado a um "acordo de cavalheiros" (sic) com Pais do Amaral sobre a clarificação de funções, poderes e espaços de manobra dentro da TVI. O acordo é tão de cavalheiros que vai ser assinado por escrito daqui a uns dias. O cavalheirismo moderno é uma coisa bonita. - MC
sábado, outubro 30
 
Não sei mas isto deve querer dizer alguma coisa
Capa dos jornais desportivos de ontem: Sporting, o tal das contas equilbradas (mas sempre no vermelho), tem problemas financeiros muito maiores do que se supunha. O Porto acumula prejuízos há anos e anos apesar dos sucessos desportivos e só mesmo num ano extraordinário e dificilmente repetível, em que vendeu meia equipa a preços inflacionados pelo título europeu, consegue ter algum lucro. O benfica é o que se sabe; aliás, o que não se sabe, tal a densidade do mistério que rodeia a sobrevivência de um clube quase falido mas que construiu o maior dos novos estádios do euro, contrata jogadores, vai sempre fugindo para a frente. O resto é um somatório de réplicas mais modestas dos três grandes: défices financeiros, dívidas aos trabalhadores, ao fisco e à segurança social, muito poucos espectadores nos estádios, casos de arbitragem e de polícia, (pouco) discretos apoios chorudos dos poderes locais e regionais, muito dinheiro injectado por empresários locais (por "carolice", diz-se sempre, e há quem acredite). E, acima de tudo, futebol quase sempre mau, muitas vezes muito, muito mau. Um negócio como este devia ser um case study para mais do que uma disciplina científica. - MC
 
Sala de pânico
No fim de uma conferência de imprensa sorridente, os jornalistas interpelam Gomes da Silva acerca dos últimos desenvolvimentos do inevitável caso Marcelo que o perseguirá, como uma sombra agigantada, daqui para a frente. A expressão do homem transfigura-se em poucas décimas de segundo. Como se já esperasse, como se há muito antecipasse o embate inescapável. Rosto de repente fechado, lábios crispados, o ministro olha nervosamente em volta, tentando interromper sem êxito as palavras que lhe são dirigidas de microfone em punho, e balbucia que só responde a perguntas sobre o assunto que ali o trouxe. Que ninguém chega a saber qual é, ninguém quer saber, já ninguém se lembra.
A voz de Gomes da Silva, trémula, é abafada por outro jornalista que volta à carga, não sobre o que interessa ao ministro mas sobre a única coisa que nele tem interesse para todas as outras pessoas. Gomes da Silva recua um pouco, tenta sorrir, tenta calar as interpelações que recomeçam, tenta dizer que se não há mais questões sobre o assunto que ali o trazia a conferência de imprensa terminou. Sob um coro de perguntas a que desesperadamente não quer responder, aquela figura acossada vira costas e dirige-se a passos muito apressados para a saída atrás de si, olhando ainda por uma vez, de relance, para os jornalistas - como se tivesse medo que o seguissem.
Chega à porta, e começa a girar freneticamente as maçanetas em todas as direcções mas, azar dos azares, as portas não se querem abrir. São segundos de espera, de pânico. As portas não abrem. Gomes da Silva tenta abrir a porta para fugir dali, mas as portas não abrem. Finalmente, chega a ajuda de alguém que parece ser uma funcionária e o ministro lá desaparece para fora daquela sala, para onde, pensa, estará a salvo. Mas sem deixar outro rasto que não o de um silêncio pesado, forçado, insustentável, que o reduz à sua real insignificância. E assim consegue a melhor encenação para uma metáfora de si próprio. - MC
sexta-feira, outubro 29
 
e que tal dar uma palavra ao irmão
Daniel Sampaio apela aos jovens para que se revoltem e derrubem o Governo - PAS
quinta-feira, outubro 28
 
Meu caro Eduardo, Rocco por Rocco, antes este

- RB
 
Como é que é, afinal desiste da comissão?
José Manuel Barroso nomeado director interino do DN.
- PAS
 
Videocenouras
Os Cure têm um novo vídeo, suspensos e a levantar voo algures numa floresta. A Bjork também, vestida de sino gigante numa paisagem desolada que parece (e deve ser) islandesa. E os Placebo já têm a rodar o hipnótico original da compilação que acabam de lançar.
Depois ainda há quem se espante por haver quem fique horas e horas a fazer zapping frenético pelos canais de música da tvcabo, sempre atrás dos pequenos iscos que, como agulhas em palheiro, sobrevivem naquele lodaçal. - MC
 
Miudezas
O dr. João Proença foi queixar-se para os jornais que o PS se "esqueceu" de enviar representantes oficiais ao Congresso da UGT. Não é que ninguém lhe ligue, diz ele; é que provavelmente a nova direcção do PS ainda estará em período de reorganização.
As razões deste episódio, desconheço-as. Mas uma coisa é certa. Tendo em conta as vezes que a direcção da UGT se esquece do PS, dos interesses dos seus filiados e, acima de tudo, dos trabalhadores portugueses que pretende representar (como, ainda recentemente, no miserável papel que desempenhou na negociação desse logro de altíssimos custos que é o código do trabalho), qualquer esquecimento de tipo protocolar será sempre insignificante. - MC
 
Unfit for the job
Leio no Barnabé que "Na última semana o grande argumento pró-Buttiglione, de José Manuel Fernandes a Mário Pinto foi "Pode um católico devoto ser comissário europeu?" A pergunta revela uma certa desonestidade intelectual. Ninguém disse que o senhor nao podia ser comissário em caso algum. Partindo do princípio de que, em política, as ideias têm consequências, o que se disse foi que o perfil do senhor nao era o mais indicado para a pasta das liberdades e garantias. Seria o mesmo que nomear, por exemplo, o Daniel Oliveira comissário dos Assuntos Económicos e Financeiros. - FN

quarta-feira, outubro 27
 
O Plano B
Quando nada mais temos com que nos preocupar, preocupamo-nos com a imagem. O Dr. Santana Lopes não vive preocupado com a imagem, vive obcecado com ela. Das muitas marcas que, apenas em cem dias, este Governo já conseguiu imprimir em si próprio, essa é a mais indelével. Acontece que mesmo nesse domínio as coisas não têm corrido nada bem. É que, sendo verdade que não basta ser competente, é preciso parecê-lo, este governo não apenas tem revelado fortes sinais de incompetência, como, paradoxalmente, expõe essa incompetência aos olhos de todos.
Só a obsessão de São Bento com o que se diz e se escreve pode explicar que, num momento em que o País ainda vivia suspenso em saber se o Dr. Santana tem por hábito dormir ou não a sesta, uma assessora política sua tenha, num acto inédito, coligido e publicado, sob a forma de artigo de opinião, uma manta de citações a provar que este Governo é tão mau como o do Dr. Durão. Mas, enquanto os portugueses acordavam da sesta e o santanismo continuava a aprofundar a sua relação muito própria com os meios de comunicação social, já o Dr. Santana nos surpreendia com um novo dislate. Desta feita, uma ideia bizarra: para resolver os problemas dos professores com horário zero, nada melhor do que colocá-los a assessorar juízes.
continue a ler aqui - PAS
 
zangam-se as comadres
e eis o que acontece. - PAS
 
frases que falam por si
"Será normal que os deputados mais empenhados no projecto europeu, europeus convencidos, possam votar ao lado dos extremistas que votam contra a Europa, ao lado da extrema-direita que vota contra o projecto europeu?".
José Manuel Barroso, ontem no Parlamento Europeu a dizer o mesmo tipo de coisas que dizia no Parlamento português. O resultado foi o que se viu: "esta tirada teve o efeito contrário ao pretendido ao chocar vários deputados, sobretudo os liberais, que não apreciaram que o exercicio do seu direito democrático de aprovar ou rejeitar a Comissão fosse associado às motivações extremistas." - PAS
 
A história escrita a curvas de sangue
O Knesset votou a retirada de 25 colonatos judeus em Gaza e na Cisjordânia. É uma medida unilateral, e muito localizada, de Israel; e, além do mais, é fomentada pelo mesmo governo que há anos boicota por todos os meios o processo de paz, e enquanto as tropas israelitas continuam a ocupar os territórios palestinianos e a manter Arafat sitiado no seu quartel-general.
É, ainda assim, evidentemente, uma votação histórica. Por ter sido submetida ao parlamento por um governo de direita, pela maioria conforável que lá obteve e, sobretudo, por não ter qualquer paralelo anterior. Suspeita-se é que pode ser, e será provavelmente, apenas mais um episódio de uma história já longa de décadas de curvas e contracurvas, avanços e recuos, cujos resultados se fazem e desfazem com o passar do tempo e cuja tradução, brutal, na realidade é feita em ódio e sangue, cujo fim continua a não se entrever. Nem ao longe. - MC
 
Um desmentido amputado do prefixo
O Público de ontem citava uma frase muito esclarecedora que Paes do Amaral, presidente da Media Capital, terá proferido numa audição parlamentar, referindo-se ao caso Marcelo e à conversa entre ambos: "A razão da conversa não tinha a ver com os comentários do professor Marcelo Rebelo de Sousa, mas sim com um pedido de conselhos sobre temas estratégicos para a Media Capital, de curto e médio prazo, que não posso revelar por se tratar de informação privilegiada". Tanto contorcionismo chega a parecer um número de circo.
Repare-se: talvez com medo que Marcelo venha dizer a verdade toda, Paes do Amaral não tem a coragem de dizer, com todas as letras, que os comentários domingueiros do "professor" não foram, de facto, abordados no decorrer da conversa; diz apenas que não eram, à partida, a sua "razão" de ser. Mas em relação ao que realmente interessa diz uma outra coisa, preciosa: que a conversa entre ambos, decisiva para a decisão de Marcelo, foi sobretudo em torno de questões "estratégicas", de "curto e médio prazo" para o grupo que dirige. Ou seja, é por questões ligadas a negócios da media capital que Marcelo sai. Ora, o que, a este respeito, poderia fazer Marcelo - tanto quanto sabemos, apenas um assalariado da estação - sair da TVI? Se não é uma questão de formato, se não é uma questão de conteúdo dos comentários, então qual o motivo tão forte que, em torno de "questões estratégicas" da Media Capital, é suficiente para forçar a saída do comentador de domingo? Acerca disto (justamente uma das peças fundamentais do suposto condicionamento aos comentários de Marcelo) Paes do Amaral não disse, por causa do "sigilo exigido pela CMVM". Será possível ser mais esclarecedor?
De caminho, Paes do Amaral ainda disse que só se sentiu pressionado pelo poder político no tempo de Cavaco. Uma maravilha, a a relação dos governos com a liberdade de imprensa em Portugal. Sobretudo do actual. - MC
 
o verniz
eu não sei ainda o que vai acontecer amanhã. Mas aconteça o que acontecer, uma coisa parece-me evidente. Durão, com a ajuda de Bottiglione (que se limitou a trasnferir para Bruxelas a patetice típica da política italiana), colocou-se a jeito. Colocou-se a jeito fazendo o que costumava fazer, sistematicamente, por cá. Um tom arrogante e com o verniz a estalar assim que se sentia acossado. Desta feita terá ido longe de mais. O péssimo gosto de a semana passada vir sugerir que Vitorinho é que seria responsável pela escolha de Bottiglione para aquele pelouro e, hoje, uma prestação bem ao seu estilo MRPP no Parlamento Europeu. Basta sair um pouco aqui da pátria para rapidamente nos apercebermos que o estilo maniqueísta do Dr. Durão não faz o género da maior parte dos europeus. Mas, uma coisa é segura, nós por cá não estamos dispostos a tê-lo de volta- PAS
terça-feira, outubro 26
 
mamãe eu quero dançar
Concerto de Caetano Veloso no Pavilhão Atlântico. O público, dada a distância e o espaço frio mantém-se sempre sentado. Já no fim, no que veio a ser a última música do encore, Caetano, como que para mostrar o avesso do que havia até aí cantado, arrisca o "mamãe eu quero#. Alguns avançam para perto do palco e tentam dançar - que é para isso que essa música foi feita e cantada. Mas, incautos, logo são impedidos de dançar pelos jovens ao serviço da organização. É um sinal dos tempos. Primeiro, um Ministro inibe um companheiro de partido de criticar o governo na televisão. Depois, não se pode dançar o "mamãe eu quero", num concerto do Caetano. O desvario instalou-se!
- PAS
segunda-feira, outubro 25
 
Um procurador à procura de si próprio (parte II)
Não contente, no fim-de-semana nova carga, desta vez em entrevista ao Expresso. Toda ela uma sucessão de tiradas notáveis: da admissão de "falhas de comunicação" (referindo-se ao estranho hábito de dizer, desdizer e se contradizer em numerosas questões importantes), à insistência na ideia de que "devia ter vigiado melhor" (!) a sua assessora de imprensa, passando pela tese nova de uma "campanha" existente contra si, citando como exemplo o facto de ter sido "vítima" (sic) de "linchamento político" (sic) no "caso das cassetes". (Como se fosse de esperar qualquer coisa que não a imediato pedido de demissão depois de se provar que a principal fonte de perturbação do tal processo e de violação sistemática e propositada do segredo de justiça era...a procuradoria geral da república.)
Mas tudo culmina numa afirmação gravíssima, própria de alguém que não tem senso político, nem bom senso nem, talvez, sentido da realidade. O dr. Souto Moura ousa dizer, com todas as letras, que seria "o último interessado em prejudicar o PS" por ter sido indicado por este partido para o cargo que actualmente ocupa. Nenhum aparelhista, por menos vergonha que tivesse, seria capaz de fazer esta ligação, tão cristalina na cabeça do sr. procurador geral da república. Que, numa só frase, se auto-reduz a um qualquer boyzeco que deve lealdades partidárias pela sua nomeação. Ora, isto seria grave em qualquer cargo mas é especialmente grave quando falamos do topo do aparelho da justiça em Portugal, cujo condicionamento político tem de ser nulo.
Ao proferir esta afirmação, o sr. procurador provou pela enésima vez que não tem condições nem políticas nem pessoais para ocupar o cargo que desempenha. Não pelo resultado de qualquer processo, do qual já se vai defendendo por antecipação, mas pela irresponsabilidade e incapacidade sistemática que demonstra no exercício das funções. Com tamanha falta de bom senso, não é dar entrevistas que é uma "actividade de risco"; mexer um qualquer dedo pode já ser muito, muito perigoso. - MC
 
Um procurador à procura de si próprio (parte I)
A meio da semana, o dr. Souto Moura foi a Badajoz. Mas em vez de fazer qualquer coisa inofensiva, como comprar caramelos, decidiu tecer, por acaso numa "roda de jornalistas", umas brandas considerações sobre um processo que, todos acreditamos, se transformou num monstruoso pesadelo que o atormenta todas as noites. O problema é que, nessas brandas considerações, o sr. procurador deu exemplos concretos, citando nomes de pessoas, e utilizando-as despudoradamente para proteger a sua frágil posição e as suas frágeis convicções íntimas sobre esse mesmo processo.
Mais: ao fazê-lo, nos termos em que o fez, o sr. procurador pôs de uma penada em causa vários pilares essenciais do direito português: a igualdade perante a lei; levantou suspeições sobre a vulnerabilidade de variadas instâncias judiciais a pressões; pôs em causa o direito das pessoas a defenderem-se, recorrendo para isso aos instrumentos previstos na lei; menosprezou a autonomia de diferentes instâncias judiciais para decidir de acordo as disposições legais (e não de acordo com as vontades do sr.procurador).
No fundo, nada de novo: a já costumeira irresponsabilidade e falta de noção das implicações do que se diz e faz. E, igualmente, a já costumeira incapacidade para retirar consequências de tamanhas tropelias, pelo próprio ou por terceiros. - MC
domingo, outubro 24
 
Da liberdade de imprensa
"Clara Ferreira Alves vai ser directora do 'Diário de Notícias'. O Expresso confirmou junto de fonte governamental que a decisão está tomada, restando apenas saber quando é que a jornalista assumirá funções." in o Expresso, ontem!
E eu a pensar que o governo não tinha nada a ver com o que se passava na Lusomundo - PAS
sexta-feira, outubro 22
 
O ridículo mata
Ao fim de seis meses de governo é já claro que o governo do PSOE se está a distinguir do governo do PP mais pelos chamados "temas fracturantes" do que pela política económica e social. A legalizaçao dos casamentos homoessexuais e das adopçoes por casais do mesmo sexo sao, para já, as medidas mais emblemáticas. Para além de reconhecer direitos e realidades, esta política constitui uma boa forma de mobilizar os eleitores de esquerda, especialmente em Espanha onde a clivagem esquerda/direita se confunde com a clivagem laicismo/catolicismo (bastante mais do que em Portugal).
No entanto, o pior que podia acontecer a esta política de modernizaçao social - que, ao contrário do que a direita pretende é apoiada pela maioria dos espanhóis - era ser confundida com o chamado "politicamente correcto". A secretária de Estado espanhola para a igualdade, com o intuito de mostrar serviço, acaba de dar um grande contributo nesse sentido. Os organizadores do Masters de ténis de Madrid tiveram a excelente ideia de substituir os tradicionais apanha-bolas (normalmente tenistas frustrados) por umas jovens modelos. Pois logo a secretária de estado da igualdade se encarregou de enviar uma carta ao organizador do torneio insurgindo-se contra esta "visao discriminatória das mulheres que aperecem como simples objectos de decoraçao e divertimento". Ridículo. Era bem melhor que enviasse uma carta ao senhor Solbes pedindo-lhe que cumprisse o que o PSOE prometeu em relaçao ao orçamento para a investigaçao.
PS: Na comunidade de Aragón as coisas vao pelo mesmo caminho. Neste momento estuda-se a hipótese de retirar do escudo da regiao as cabeças (cortadas) dos mouros porque, supostamente, isso contraria o espírito de uma sociedade multicultural. A propósito desta tendência para apagar a memória histórica, Javier Marias escreveu uma crónica que nao deve ser citada apenas pela direita.- FN

quarta-feira, outubro 20
 
SOS racismo
O seleccionador espanhol, Luis Aragonez, lembra o saudoso António Oliveira. Para motivar o avançado Reyes, na véspera do jogo contra a Lituânia, nao se lembrou de nada melhor que isto: "Mostra àquele negro de merda que és melhor que ele". "Aquele negro de merda" era Thierry Henry, provavelmente o melhor jogador da actualidade. A frase foi gravada e correu mundo. Os adeptos de Arsenal, no passado sábado, exibiam cartazes que diziam "Arsenal against racism". No domingo, Aragonez procurou justificar-se: "Eu nunca fui racista na vida. O Etoo [jogador camaronês] até me trata por papi". Quanto mais fala... - FN

 
Velhas Fronteiras
Numa sociedade democrática, não existe forma mais brutal de privação de liberdade do que a ausência de recursos materiais. É por isso que, como lembrava, em recente entrevista à Visão, Luís Ritto (alto funcionário da UE, com responsabilidades nas áreas do desenvolvimento e da alimentação), "ninguém com fome se preocupa com a democracia". A pobreza e a sua forma mais brutal, a fome, não são questões privadas, pelo contrário, são públicas e políticas, sendo que isso é particularmente verdade para o caso português.
continue a ler aqui. - PAS
terça-feira, outubro 19
 
A hora da sesta



"acompanhei o Senhor Primeiro-Ministro na sua deslocação à Assembleia da República, de onde saiu às 18h30 e não às 17h00 como é dito. Depois disso, o Dr. Pedro Santana Lopes não foi fazer qualquer sesta, como é afirmado"
de uma carta enviada à agência Lusa pela drªAna Costa Almeida. - PAS
 
Novas pérolas buttiglionianas*
"Os filhos só nascem em famílias".
Rocco Butiglione, telecinco.com, 19/10

"As crianças que nao têm pai e só têm mae sao filhos de uma mae que nao é lá muito boa mae"
Rocco Buttiglione, La Tercera, 19/10

"Há uma campanha de ódio contra mim. Tudo o que digo é mal interpretado."
idem

"Pobre Europa, que está dominada por maricones"
Mirko Tremaglia, ministro pós-fascista das comunidades italianas, citado pelos marretas

* Dedicado ao JV , do quinto dos impérios, pela capacidade de defender o indefensável: a nomeaçao de um homem com este perfil para o cargo de comissário europeu da liberdade, justiça e segurança. - FN

 
A ETA nao mata assim
Nas primeiras horas do dia 11 de Março, pairava no ar a dúvida: seria chuva, seria gente? Chuva nao era certamente e "a ETA nao mata assim". Foi-se ver: era a Al Qaeda. Foi de facto a Al Qaeda, mas podia ter sido a ETA. No dia 11, essa era ainda a convicçao da maioria dos espanhóis e a aposta do nosso Pedro Machado. Vários bloquistas o insultaram aqui no país relativo. A verdade é que a hipótese ETA nao era assim tao disparatada (disparatada foi a forma como o governo PP geriu o assunto). Ontem, em França, foi encontrado um arsenal militar impressionante no apartamento de um etarra. Mísseis, morteiros, lança-granadas, granadas, artilharia pesada capaz de fazer explodir várias Atochas. - FN

segunda-feira, outubro 18
 
O problema de chegar tarde
Queria só escrever três coisas, mas vejo que cheguei tarde, já que as leio em vários blogues. A primeira é que o Benfica não jogou rigorosamente nada e mostrou as insuficiências que só não vê quem não quer (mas, também, que o Porto teve a sorte toda do jogo e, aspecto central, o árbitro roubou à grande e à antiga). Bem, e que os dirigentes dos clubes estão ao nível dos energúmenos que pululam nas claques. A segunda, é mais uma vez sublinhar que o Prof. Marcelo não é comentador; é um actor político. As suas declarações no final da semana passada sobre as eleições nos Açores, ficou ontem provado, foram a aldrabice do costume. Terceiro, se o Senhor Presidente da República quer dar algum sinal, ainda que ténue, sempre ténue, de que continua a existir, talvez não fosse má ideia dizer qualquer coisa - desde que não fosse um apelo à sua ou à nossa serenidade - sobre as declarações do senhor Jardim, ontem à noite. - PAS
quinta-feira, outubro 14
 
Afinal havia outro


A crer nos relatos da imprensa e que aliás já circulavam há uns dias na blogosfera, o Ministro Gomes da Silva fez as suas extraordinárias declarações baseando-se num sólido inquérito levado a cabo, de forma inédita e que só pode ter causado desconforto entre os diplomatas, junto das embaixadas portuguesas espalhadas pela Europa. Afinal parece que em mais nenhum lado existia um caso similar ao do Prof. Marcelo. A verdade é que sendo assim, não é bem assim. O Prof. Marcelo é naturalmente único, do mesmo modo que Portugal produz outros indíviduos únicos. Mas casos como este é que não são únicos. Em Itália (sempre a Itália em que os acontecimentos parecem antecipar o que de trágico mais tarde se vem a passar entre nós), no fim do Telejornal das oito da RAI1 e sem qualquer spot publicitário a separar, todos os dias, um simpático senhor, de seu nome Enzo Biagi, fazia um comentário ao dia (Il Fatto de Enzo Biagi, assim se chamava o programa). Claro que era num estilo diferente, distanciado, honesto, rigoroso e incisivo face ao fenómeno espantoso que é Berlusconi. Não era apenas sobre política, nem a sua visão sobre a realidade era perversa. Mas, assim que chegou ao Governo, o Senhor Berlusconi, quem mais?, e os seus inenarráveis amigos (de que a Europa ficou agora a conhecer o espantoso Buttiglione!), trataram de acabar com o espaço de Enzo Biagi (como fizeram com o programa de Santoro, que era um caso diferente). A coisa à época, já lá vão uns dois anos, deu assinalável escândalo e polémica. Mas, depois, tudo passa. Hoje, nas televisões italianas, quase não se ouvem vozes contra Berlusconi. Biagi e todos os outros comunistas (já que é assim que Berlusoni se refere aos opositores) estão limitados a alguma pouca imprensa escrita. E o bando de vendilhões que governa a Itália lá vai fazendo o que bem lhe apetece. Sem contraditório :) - PAS
 
El Pais Relativo
Depois da presença de Avelino na quinta dos famosos, depois da saída do Dr. Carvalhas, depois do saneamento do professor Marcelo, hoje sou surpreendido com isto. - FN

 
Começa bem
Barroso começa bem. Segunda feira, a comissao parlamentar das liberdades vetou o nome do senhor Rocco Buttiglione, escolhido para substituir António Vitorino no cargo de comissário da liberdade, segurança e justiça. Rocco tem nome de actor porno, mas aprendeu polaco para estar mais próximo do Papa. Berlusconi diz que o gesto do parlamento europeu é "obscurantista e integrista". Salvo melhor opiniao, "obscurantistas e integristas" sao as posiçoes ("pessoais" e políticas, senhor Barroso!) de Rocco Buttiglione. Para Buttiglione, "a homossexualidade é pecado" e o matrimónio uma instituiçao que "permite às mulheres terem filhos e ficarem em casa protegidas pelos maridos". Ámen. - FN

quarta-feira, outubro 13
 
Respostas atrasadas
Várias coisas contribuíram para que as respostas ao Fernando Albino (FA) e ao Francisco Mendes da Silva (FMS) se atrasassem. A última das quais foi o feriado da hispanidade (e respectiva ponte) que me deixou, por uns dias, longe da blogosfera. Nem de propósito, era precisamente sobre a hispanidade que dissertava FA. Aznar, na Georgetown, com o seu inglês inconfundível, havia dito que o problema da Espanha com a Al Qaeda vinha do século VIII. Ao contrário do que sugere FA, nao sou eu que tento "relativizar" a história, é Aznar. A influência muçulmana na história, na língua, nas artes ibéricas, que FA reconhece, nao aconteceu por acaso. Durante três séculos numa regioes, durante oito séculos noutras, cristaos e muçulmanos nunca viveram de costas voltadas, como pretende o senhor Aznar. Ao dizer o que disse, Aznar recupera a concepçao franquista da Espanha. Como dizia o outro, as palavras sao importantes.
Já FMS, a propósito do meu post sobre o PCP, lamenta que eu nao tenha criticado o discurso dos "trotskistas portugueses": "Entao e os trotskistas portugueses (...) nao convém hostilizá-los? Nunca se sabe quando vamos precisar deles, nao é?". Meu caro FMS, neste momento, os únicos trotskistas portugueses que eu conheço sao estes. - FN

 
Um sorriso trágico


Nos últimos tempos, há uma imagem que me vem sistematicamente à mente quando olho para Portugal: numa das primeiras cenas do filme "Abril", de Nanni Moretti, este, interpelado por um jornalista francês, tenta explicar o que se passa na política italiana, com a ascensão ao poder da dupla Berlusconi/Fini. A conversa perde-se num arrazoado de frases desconexas, tolhidas por justificações típicas de quem quer "pintar um quadro" simpático a um estrangeiro. Quando Moretti deixa o jornalista, fica apenas com o sorriso desconfortável e uma voz interior que o tenta convencer que as coisas não são tão más como lhe parecem. E, acima de tudo, naquilo que é o aspecto mais impressivo da cena, com a incapacidade de explicar, de um modo simples e a quem vem de fora, a realidade política italiana. Hoje, ao tentar explicar a amigos estrangeiros, o que entre nós se tem passado, dou por mim com o mesmo desconforto, face a algo que, como em Itália, parece desmoronar-se.
continue a ler aqui - PAS

segunda-feira, outubro 11
 
TV Marcelo, Tele Santana
Este episódio do fim dos comentários do professor Marcelo na TVI (até ver), lamentável nos contornos que assumiu e pelo que significa, e em que definitivamente não há ingénuos (nem Paes do Amaral, nem Santana nem o seu testa de ferro, nem Marcelo), é também um capítulo de uma luta pessoal pelo poder que não acabará agora. Um verdadeiro duelo entre um experiente jogador de xadrez, Marcelo, e um reputado jogador de póquer, Santana. Que, num mesmo tabuleiro em que são mestres, a televisão e os media, jogam jogos muito diferentes.
Marcelo joga no longo prazo, com estratégia e paciência, e percebeu bem que sacrificar agora uma peça importante (o "comentário" na TVI), que ainda por cima estava já seriamente ameaçada, era a melhor maneira de maximizar os estragos que poderia causar no adversário. Sendo que ainda por cima continuará seguramente a ?comentar?, noutro sítio qualquer. A médio prazo esta jogada custosa pode-se transformar num bom investimento. Marcelo tem tempo.
Já Santana joga em permanência paradas altas, sempre no fio da navalha. É um mestre do bluff , do risco e do curto prazo e não tem medo nenhum de arriscar tudo porque é a única forma que tem, na sua inconsistência gritante, de alimentar a sua força. Não olha, por isso, a meios; sabe que o tempo joga, sempre, contra si. A fuga para a frente é o único caminho que conhece, e foge todos os dias para algo maior, mais longe, mais ambicioso.
De apoiante de Cavaco passou a demissionário quando suspeitou que se aproximava o fim do cavaquismo. Passou depois à disputa sempre muito "emocionante" de sucessivos congressos do PSD. Ganhou, ao lado de Cinha Jardim, a câmara da Figueira da Foz (um só mandato), que trocou pela de Lisboa (meio mandato). Anunciou uma pré-candidatura a presidente da república que alimenta desde então, até acabar como primeiro-ministro, um cargo caído do céu, de Durão e de Belém (meio mandato, se chegar ao fim).
O futuro com Santana? Acaba daqui a uns dias, porque os horizontes são constantemente renovados pela pressão das circunstâncias. É este o homem a quem o presidente da república entregou numa bandeja o governo do país: um carrossel permanente que não se sabe nem onde nem quando vai acabar. Tudo em directo na tv, num jogo de póquer de suster a respiração. Entretanto, o país pode esperar. E desesperar
- MC
 
Esquecer o peão, esquecer o incidente
O PSD, aparentemente, deu há uns dias conta que o professor Marcelo tinha um tempo de antena pessoal, sem qualquer tipo de contraditório e de limite razoável, seja nos tempos, seja nos conteúdos. Notável.
Que se saiba, os "comentários" do professor existiam há anos naquele mesmo formato, naquele mesmo canal. Mas enquanto houve um ex-presidente do PSD a fazer campanha contra o Governo do PS, ou a aparar golpes ao Governo da coligação de direita (mandando no máximo umas farpas ao amigo Portas), a questão, denunciada tantas e tantas vezes, não mereceu qualquer reparo. Já quando o ex-presidente do PSD decide usar, como fez muitas outras vezes em sentido inverso, o seu tempo de antena contra o actual líder do PSD, a coisa mudou ? e radicalmente ? de figura.
Como é evidente, é vergonhoso que isto tenha sido possível que um ex-presidente de um partido, político no activo e com ambições pessoais indisfarçáveis tenha tido durante anos um palco indisputado sem que houvesse ou contraditório no próprio formato ou que, mínimo dos mínimos, a mesma possibilidade fosse dada a outras forças políticas. (Miguel Sousa Tavares, que se saiba, situa-se mais à esquerda mas não tem nenhuma espécie de proximidade com qualquer dos partidos dessa área)
Mas o que move o PSD não é a defesa da pluralidade, da igualdade de circunstâncias no debate político ou a promoção da democracia. O que preocupou o Governo foi agir no sentido de silenciar, e depressa, alguém que de repente se transformara num potencial incómodo.
Como é óbvio, no meio disto tudo, o que importa não são as palavras mais ou menos infelizes de Gomes da Silva. O que importa é que, melhor ou pior formuladas, elas exprimem uma posição política de fundo partilhada pelo Governo e pelo PSD e uma atitude face à crítica, à dissensão, e à própria democracia. O silêncio, durante dias, do primeiro-ministro, a que se seguirá provavelmente uma tentativa de vitimização, é bem elucidativo a este respeito. E o que vem a público sobre as pressões exercidas envolvendo negócios importantes para a Media Capital diz-nos tudo sobre o tipo de gente com que lidamos.
Esqueçamos, pois, Gomes da Silva, mero peão sacrificial, e este incidente triste. Porque o que está em causa é algo muito maior e que não se esgota no epílogo deste episódio: o combate pela qualidade da democracia em Portugal, cada vez mais ameaçada, porque esse combate cabe a todos travar. - MC
quinta-feira, outubro 7
 
O caso Marcelo
O caso Marcelo revela bem a ausência de uma cultura democrática e liberal em Portugal. Nao só pela forma como o comentário televisivo acabou, mas também pela forma como começou e continuou. Alguém conhece outra democracia onde um político, em formato de "professor", tenha um tempo de antena semanal, em canal aberto, que tem como único efeito possível transmitir a ideia de que a alternativa ao partido do governo vem do próprio partido do governo? - FN

 
Donde estás corazón?
Frequentemente, ouvimos dizer que temos a pior televisao da Europa. "Como a nossa, só a da América Latina." Para quê andar à procura de "novas fronteiras"? Basta virmos aqui à vizinha Espanha para se perceber que as coisas nao sao bem assim. Os telejornais espanhois talvez sejam melhores (pelo menos mais curtos; há espaços próprios para o lixo informativo), mas a programaçao é igual ou pior. A Antena 3 e o canal 5 nao se distinguem muito da SIC e TVI. E a TVE é claramente pior que a actual RTP (pelo menos, do que a RTP pré-Santana). A televisao publica espanhola ainda está na fase da concorrência com os privados, o que, entre nós, já se percebeu que é uma estratégia falhada. Moral da história: a audiência baixa (aguenta-se com o futebol) e o endividamento aumenta.
É evidente que a TVE nao pode (nem deve) concorrer com as privadas. É impossível ultrapassar o Gran Hermano, a Granja e esse maravilhoso programa que se chama Donde estás corázon? (e que, nao tarda, chegará a Portugal: a Caras Lindas dava uma óptima apresentadora). Em "Donde estás corázon?", desfilam várias figuras do jet set espanhol. Aquilo é uma espécie de linchamento a que os famosos se sujeitam com ar de vítimas, como se estivessem ali obrigados. No último programa, o senhor Marc Duval foi interrogado sobre a razao pela qual a sua ex mulher (Norma) nao o convidou (nem a ele nem aos filhos) para o casamento. Meia hora depois ainda nao se sabia o motivo, e passou-se a outro tema nao menos fascinante: saber se o namorado de uma conhecida cabeleireira se chamava Toni ou Tobi, se era americano ou nigeriano, rico ou pobre, preto ou branco. Para acabar em beleza, apareceu a striper Chiqui Martin. Chiqui estava de muletas: há um ano, caíra de uma altura de cinco metros, quando tentava fazer uma acrobacia. O programa mostrou imagens da queda e da recuperaçao. Assim, ainda conseguimos ver Chiqui de cadeira de rodas, com dois caes ao colo, como aquela fantástica personagem do Amores Perros. Claro que acabou tudo a chorar. Chiqui, os apresentadores e o público. "Imbatible". - FN

quarta-feira, outubro 6
 
O que é bom para o PCP é bom para a esquerda?
Soube da notícia ontem, ao ler o site da Capital: "Carvalhas abandona o cargo de secretário-geral do PCP" (na realidade, o cargo de secretário-geral é que o abandonou). Li hoje vários posts sobre o tema, nomeadamente o de Vital Moreira (VM), que conhece bem a casa. Segundo VM, "no caso do PCP o que é problemático hoje não é seu continuado declínio, mas sim o ritmo deste. Só nisso é que o novo SG pode influir: desacelerar ou estugar o definhamento. Uma questão de tempo." Concordo que o declínio do PCP parece ser uma questao (escrevo num teclado espanhol) de tempo, uma questao de demográfica. Mas nao acho que se possa dizer que "o ritmo" desse declínio tenha sido especialmente acelerado. Compare-se o caso do PCP com os casos do PCE e do PCF: facilmente constatamos que, apesar de tudo, a percentagem de voto no PCP continua a ser muito razoável. Depois de terem modernizado o discurso, os comunistas espanhóis e franceses praticamente desapareceram do mapa. A melhor forma que o PCF encontrou para se distinguir do PS foi organizar uma passagem de modelos na sede nacional. O PCP de Carvalhas, pelo contrário, posicionando-se algures entre a renovaçao e a ortodoxia, conservou eleitorado e abrandou o ritmo do declínio.
Mas, para além do caminho da renovaçao e da "evoluçao na continuidade" (que foi a linha seguida), ainda há outra estratégia possível - que o PCP, pela sua natureza burocrática, dificilmente seguirá: a estratégia do populismo de esquerda. Uma estratégia baseada num discurso anti-sistema e antieuropeu, dirigido aos novos "descamisados", à semelhança do que têm feito, com algum sucesso, os trotskistas franceses. Jerónimo de Sousa - lembram-se do baile de fim de ano, na campanha presidencial de 96? - seria, sem dúvida, o homem ideal para protagonizar esta estratégia. Claro que a governabilidade à esquerda ficaria (ainda mais) prejudicada. Mas: o que é bom para o PCP alguma vez foi bom para a esquerda? - FN

segunda-feira, outubro 4
 
Eduardo Dâmaso, no Público de hoje:
"O PS entronizou este fim de semana a liderança de José Sócrates tendo como pano de fundo uma paupérrima discussão política em torno de uma política de alianças que visou meramente uma diabolização da ala esquerda do partido e conseguir uns minutos de mediatização de um congresso onde nada mais havia a fazer senão ouvir o novo líder.
Depois de ter ouvido os discursos de José Sócrates, Jaime Gama e Sérgio Sousa Pinto percebe-se que o congresso não serviu para nada mais do que empurrar o grupo de Alegre para o estatuto de uma minoria intelectual e arcaica e deixar uns "sound bytes" de ataque ao Governo.
Começou mal, por isso, a liderança de Sócrates, ao consentir a truculência estéril de Jaime Gama na apresentação de uma moção que deve ser o documento orientador de um projecto político e não um instrumento de ataques políticos despropositados.
O discurso de Gama empurrou o congresso para uma discussão fora do tempo, sobretudo no caso de um partido que ainda nem tem um projecto politico de oposição e de Governo. Foi ainda um momento que deixou emergir algumas das piores coisas que esta liderança do PS pode vir a ter e que está na soma da excessiva influência de figuras gastas como Jaime Gama e Pina Moura (ex-ministro da Economia, agora deputado. que vai acumular o mandato com o cargo de administrador de uma empresa espanhola...) com a arrogância imberbe de Sérgio Sousa Pinto.
A definição de políticas de alianças é importante quando as exigências da governabilidade do país se podem impôr ou como estratégia de conquista do poder. Mas quando ainda nem se tem um projecto político é prematuro fazer essa discussão. O PS não ganha o centro com uns discursos de Gama ou de Sousa Pinto a demarcar-se do Bloco de Esquerda ou do PCP. O PS ganha o centro, a esquerda e até parte da direita no dia em que souber responder a perguntas destas: como podem conciliar-se boas políticas económicas com justiça social? Qual a melhor maneira de financiar serviços públicos de qualidade sem pôr em causa a estabilidade orçamental? Como pode um Governo modernizar-se ao ponto de não precisar da cosmética( centrais de informação ou lá o que isso é...) para diluir o efeito da incompetência mortal que não responde às necessidades dos cidadãos (colocação de professores!)? Ou, ainda, é um governo do PS capaz de endireitar a máquina tributária no combate à evasão fiscal e, de uma vez por todas, fazer da educação uma solução para os problemas do país e não o problema do país?
É com respostas concretas, que os teóricos das boas estratégias para conquistar o centro (do tipo de Jaime Gama...) nunca souberam dar quando estiveram no poder com António Guterres, que o PS ganha este espaço político. Não é com discursatas arrogantes de diabolização de tudo quanto está à sua esquerda - sendo que para eles o próprio PS de Ferro Rodrigues era uma máquina de radicalismo político esquerdista... -, nem com figuras gastas e comprometidas com interesses empresariais que Sócrates lá vai. De resto, Alegre não quis empurrar o PS para estratégias frentistas, mas tão só para uma agenda que o partido deveria ser capaz de discutir, ou seja, como é que se constrói uma política de esquerda capaz de chegar a todos e que não aliene a própria esquerda, como fez António Guterres, com os resultados conhecidos...Como é que se resiste aos interesses e à corrupção? Como é que se evita o desmantelamento calculado dos recursos naturais do país pelos interesses imobiliários? Como é que se evita a contaminação da política com dinheiro sujo? Responder com coragem a estas questões e a tantas outras que se poderiam fazer, isso sim, seria próprio de uma esquerda moderna." - FN

 
Uma andorinha nao faz a primavera
Está muito generalizada a ideia de que o Partido Popular espanhol perdeu as eleiçoes por causa do 11 de Março. Nao duvido que a gestao do processo tenha prejudicado Rajoy e companhia. No entanto, o 11 de Março nao explica tudo. A verdade é que no congresso de 2002 o PP estava à frente nas sondagens com maioria absoluta. Passados dois anos, a 10 de Março de 2004, o PP estava numa situaçao de empate técnico com o PSOE. Portanto, alguma coisa há-de ter corrido mal durante esses dois anos - nao só o caso Prestige e a célebre cimeira dos Açores, mas também um progressivo afastamento face às expectativas das regioes e de vários grupos sociais. Só assim se explica o declínio eleitoral do Partido Popular, que volta a ser visto como o partido do nacionalismo católico de Madrid. Esta constataçao, óbvia para qualquer observador, é rejeitada pela esmagadora maioria dos dirigentes do PP. "El broche de las intervenciones del primer dia del congresso del PP lo puso el secretário general adjunto, Angél Acebes", lembra a ediçao de sábado do El Pais. Acebes (um político à direita da Opus Dei) rejeitou qualquer auto-crítica e acusou Zapatero de manipulaçao, purgas e incitamento ao "revanchismo" que, em 36, levou à guerra civil (palavras do próprio). No meio deste clima de auto-satisfaçao, houve um homem que revelou lucidez. Chama-se Ruiz-Gallardón e é alcaide de Madrid. Subiu ao palanque e disse esta coisa muito simples: "reconheçamos que alguma coisa havemos de ter feito mal". Mas uma andorinha nao faz a primavera. - FN

sexta-feira, outubro 1
 
Neoaznarismo
Começa hoje o congresso extraordinário do PP espanhol. Mariano Rajoy é candidato único. Há quem fale de pós-aznarismo mas na prática estamos perante um neoaznarismo. Para os dirigentes do PP nao há razões para mudar: "Os militantes do PP sabem que a derrota de 14 de Março nao significou que o nosso projecto estava esgotado nem representou um castigo por escândalos de corrupção", diz ao El Pais fonte próxima do líder. Quando as derrotas eleitorais são pouco pesadas é frequente a tentação de não mudar nada e esperar que o novo poder caia de podre. Afinal de contas, foi com estas caras, com esta organização e com esta estratégia que, no passado, se ganhou e exerceu o poder. É uma tentação suicida, esta. Em Espanha como em Portugal. Enquanto o PP ou o PS, no seu conjunto, nao perceberem a natureza política das suas derrotas eleitorais dificilmente voltam ao poder. A situação dos dois partidos é aliás muito mais semelhante do que se pensa: o espectáculo indecoroso do PP da Galiza (dissidências, clientelismo, etc.), por exemplo, é em tudo idêntico ao do PS Matosinhos. Mas para se perceber até que ponto vai o grau de autismo do PP basta dizer que o senhor Acebes - o célebre ministro do Interior, comparado ao ministro iraquiando da propaganda no 11-M - é a escolha de Rajoy para o cargo de secretário-geral. - FN

 
Ainda em volta do centro
A propósito do meu artigo da Capital desta semana, Vital Moreira sublinha os riscos para o PS de um discurso oportunista para conquistar o centro político poder significar um jogo de soma zero, designadamente na medida em que pode acarretar uma perda do eleitorado de esquerda. O corolário disso mesmo seria o PS ficar com uma mão, a esquerda, cheia de nada e outra, a direita, com muito pouco. Concordando com o que Vital Moreira escreveu, julgo que importa clarificar algumas das muitas outras questões que o tema invoca, e que são centrais para os próximos dois anos do PS, designadamente para conquistar o eleitorado que é central para ganhar as próximas legislativas.
Entre elas a ideia muito disseminada de que este eleitorado é mobilizável por um discurso moderado e de compromissos a propósito de tudo e nada. Parece-me que o que se passa é, cada vez mais, exactamente o contrário. Em quase todas as democracias avançadas, a descredibilização crescente do sistema político assenta, em larga medida, no facto de os cidadãos olharem para os dois principais partidos e percepcionarem os seus projectos de poder como se se tratando de alternância e não de alternativa. O resultado disso tem sido, normalmente, crescimento da abstenção e voto em partidos extremistas. Isto é válido para Portugal, ainda com uma intensidade não muito forte é verdade - mas o que se tem passado noutros países europeus pode anunciar o futuro. As "falinhas mansas", que a crer no que se usa dizer convencem o centro, podem aparentar ser uma táctica feliz (ou oportunista como refere VM) para chegar ao poder, mas estrategicamente são desastrosas para a ambição de transformação que deve estar presente no exercício da governação e, não menos importante (fundamental diria mesmo), para a (re)credibilização - se tal for ainda possível - de todo o sistema político.
A atracção por este tipo de discurso pode ser o cavalo de tróia de um exercício de poder que não servindo para mudar nada, uma coisa acentua: o afastamento dos cidadãos da coisa pública. Servindo alguns, servirá de alguma coisa para a maioria o poder em alternância?
Não cair no engodo do discurso do centro pode ser um daqueles casos em que estratégia e táctica se unem de forma virtuosa. Contraste na forma e no conteúdo (na política e nas políticas) é, a meu ver, muito mais importante do que repetir a lenga-lenga do posicionamento ideológico (de esquerda, direita ou centrista), que diz pouco precisamente à fatia do eleitorado que se diz procurar conquistar. Criar uma alternativa, com rupturas, é a forma de chegar ao eleitorado central para ganhar eleições e esse eleitorado, sendo flutuante, parece-me que não é mobilizável pelo centro de um eixo que vai da esquerda à direita. Afinal o centro é um ponto no espaço. - PAS



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